“Brasil está à deriva”, afirma comandante das Forças Armadas

"Somos um país que está à deriva”, afirma o general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, comandante do Exército, em entrevista ao jornal Valor Econômico, se referindo ao caos que se instalou desde as primeiras horas de 2017 com a crise de segurança no país, com rebeliões no sistema prisional, onde detentos em Manaus, Boa Vista e Natal foram esquartejados em brigas de facções, ao caos em Vitória, que resultou da paralisação da Polícia Militar.

comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas - Foto: Alan Marques/Folhapress

“Esse processo que o Brasil vem enfrentando está atingindo nossa essência e nossa identidade… Hoje somos um país que está à deriva, que não sabe o que pretende ser, o que quer ser e o que deve ser. Por isso, o interesse público, a sociedade está tão dividida e tem Estado subordinado a interesses setoriais”, declarou o comandante do Exército.

Apesar disso, Villas Bôas disse que considera “importante todo esse processo que estamos vivendo em decorrência da Lava Jato”, por acreditar que é possível extrair dela uma “mudança nesse aspecto ético que está atingindo nosso cerne, que relativiza e deteriora nossos valores”.

Ele também fez uma crítica indireta à seletividade das investigações. “E aí você me pergunta: o que pode acontecer se a Lava Jato atingir a todos indiscriminadamente? Que seja. Esse é o preço que tem que se pagar. Esperamos que tenha um efeito educativo”, afirmou.

Sobre o uso das Forças Armadas no policiamento dos Estados, diante da grave crise na segurança pública, Villas Bôas pondera: “Há entendimentos incorretos de que as Forças Armadas possam substituir a polícia. Temos características distintas”, critica o general. “É um emprego das Forças Armadas que não soluciona o problema. Nossa ação se destina a criar condições para que outros setores do governo adotem medidas de caráter econômico-social que alterem essa realidade”, enfatiza.

Segundo ele, as Forças Armadas compreendem a necessidade dessa medida, “porque as estruturas de segurança nos Estados estão deterioradas”. No entanto, defende que essa atuação deve ser restrita e delimitada no tempo e no espaço, com tarefas estabelecidas e sempre com o entendimento de que não podem substituir a polícia.

“Não queremos que o uso das Forças Armadas interfira na vida do país. Mas sofremos desgaste e risco enormes com isso. Se formos atacados e reagirmos, isso sempre será um crime doloso e seremos julgados pelo tribunal do júri”, afirma o general, citando as limitações estabelecidas pela Constituição.

Sobre o discurso da direita conservadora que clama por uma intervenção militar como solução dos problemas, o comandante das Forças Armadas é enfático: “Jamais seremos causadores de alguma instabilidade”.

E reforça: “No entendimento que temos, e que talvez essa seja a diferença em relação a 1964, é que o país tem instituições funcionando. O Brasil é um país mais complexo e sofisticado do que era. Existe um sistema de pesos e contrapesos que dispensa a sociedade de ser tutelada. Não pode haver atalhos nesse caminho. A sociedade tem que buscar esse caminho, tem que aprender por si”.