Capitalismo chileno: se não se estimula, pega fogo
A imagem que acompanha este artigo aconteceu no final do ano passado. Especificamente na noite de 13 de dezembro. Se passou no Chile, durante o jantar anual da Associação de Exportadores de Manufaturas do país, a Asexma.
Por Luis Salas Rodríguez
Publicado 16/03/2017 14:58
Na imagem vemos à direita o ministro da Economia chileno, Luis Felipe Céspedes, enquanto à sua esquerda está Roberto Fantuzzi, presidente da Associação. Atrás do ministro, de gravata vermelha, vermos José Miguel Insulza, ex-chanceler, ex-secretário geral da OEA e até pouco tempo, pré-candidato presidencial pelo Partido Socialista do Chile. Atualmente está envolvido em denúncias de corrupção.
O que se destaca no meio da imagem é uma boneca inflável com evidentes fins sexuais que Fantuzzi teve a ideia de dar de presente ao ministro a fim de “estimulá-lo” para que este “estimule” a economia. E explicou o objeto com as seguintes palavras: “as economias são como as mulheres, ambas devem ser estimuladas para se ativarem”, e sacou gargalhadas de aprovação entre o público, todos empresários. O papel que cobre o rosto da boneca é a dedicatória ao ministro.
Sempre se ouviu dizer que existem fotografias com o poder de capturar em um momento fugaz toda a verdade de um tempo e congelá-la. É justamente isso que se pode dizer sobre esta: o poderoso empresário lisonjeando, comprando o funcionário público para receber benefícios. O funcionário público de atitude submissa frente ao poder econômico e deixando-se comprar. Assim é como funciona, na verdade, a mão que maneja o mercado, só que em geral não se mostra diante das câmeras e ninguém está atuando, por isso parece que é invisível, como diziam [Adam] Smith. Mas existem momentos que deixam ser vistos por soberba ou por estupidez e este claramente é um deles.
Porém, também é evidente que o mais repulsivo do que foi posto em cena não é isso. A objetificação da mulher é totalmente degradante e é prova do machismo que impera no mundo empresarial e político regido sob as lógicas do mercado. Tudo isso nos leva a constatar a verdade à qual nos empurram hoje os poderes econômicos coniventes com governos servis. A mensagem de Fantuzzi é: que eles, os machos do capital, necessitam ser estimulados constantemente para seguir exercendo seu poder, coisa que devemos agradecer porque é nisso que está nossa vida. Sob nenhum conceito devemos deixar que a chama se apague, já que sem a apatia investidora da riqueza, as nações se tornam pobres. Neste sentido, o trabalho dos governos é buscar que nas sociedades exista o sex apple e a submissão suficientes para que a libido da oligarquia não se perca, por mais decadente que seja.
Quais são os estímulos? Todos sabemos: salários cada vez mais baixos, segurança social cada vez mais precarizada, menos direitos cidadãos e impostos, nenhum limite para a movimentação do capital e para as margens de lucro, mas muitos às organizações dos trabalhadores e aos protestos da sociedade. Ou seja, o pacote de políticas neoliberais que mostram que o interesse do capital está muito acima dos interesses da população.
Vale destacar que não é o primeiro presente deste tipo que o presidente da Câmara de Exportadores do Chile dá a alguém: durante uma reunião com o governo sobre as vantagens da Aliança do Pacífico, presenteou funcionários com protetores solares para fazê-los entender que deviam fazer com que as empresas não sofram. Em outro evento, sobre o mesmo temam, presenteou um funcionário com um pote de iogurte que significava um amuleto para garantir “trânsito rápido” da economia.
Incêndios no Chile
No começo deste ano o Chile foi estremecido com uma série de incêndios florestais. Cerca de 587.00 hectares foram consumidos causando a morte de dezenas de pessoas, o desastre foi catalogado como a pior tragédia deste tipo da história do país. As chamas se propagaram rapidamente e devastaram bosques, povoados e moradias inteiras. Até pequenas cidades foram afetadas. O incêndio só foi sufocado com ajuda internacional, tanto de outros governos, como de particulares sensibilizados.
Guardas as proporções da história anterior, pode-se dizer que é algo similar a estes incêndios. Afinal, trata-se de um acontecimento que consegue condensar sobre si tantas realidades: uma tragédia causada de origem por um modelo econômico baseado na exploração intensiva dos recursos naturais e humanos; um Estado absolutamente passivo diante das consequências sociais, ambientais e humanas de tal modelo, o que contrasta com sua fortaleza e eficácia na hora de reprimir; umas empresas que atuam em suas ancas, beneficiadas pelas reduções impostos, mas incapazes de investir em condições mínimas de segurança para evitar que incêndios – um perigo latente neste tipo de negócios – saiam do controle; populações arruinadas, que em boa medida terão que dar conta de refazer suas vidas já que o Estado não pode investir nisso pois seria “assistencialismo” e incita a vigilância que, obviamente, não se aplica ao empresariado, já que eles são “muito grandes para falhar” e contam tanto com seus seguros como com o Estado disposto a assumir as perdas.
E o que tem a ver uma coisa com a outra? Pois talvez nada, e tudo, ao mesmo temo. Quando começaram os incêndios, muitas organizações sociais, partidos políticos e especialistas acusaram os próprios empresários de terem provocado, entre outras razões, para cobrar os seguros e obter lucros mais rápidos e seguros em meio a um negócio que enfrenta, como todos os demais ramos da economia chilena, um significativo estancamento. O mesmo governo deu a entender que considerava plausível esta hipótese, ao passo que informou ter prendido vários suspeitos de iniciar as chamas. Seria muito otimista, entretanto, pensar que as instituições cheguem até os últimos responsáveis destas ações: as três maiores empresas florestais – cujo controle é de 75%das plantações – pertencentes às três famílias mais importantes econômica e midiaticamente do país. Werner Sombart [sociólogo alemão] cunhou um conceito, popularizado em seguida, muito útil nestes casos: destruição criativa: “feito essencial do capitalismo”, que consiste basicamente na destruição do não rentável para dar peso ao rentável. No sentido estrito, aplica-se às inovações, mas em termos mais amplos se usa para entender a rentabilidade, por exemplo, das guerras, cujo negócio não se encontra em solo bélico, mas no processo de reconstrução posterior. Assim são as coisas, talvez o poder econômico chileno: os machos alfas do dinheiro que ainda não se recuperaram da crise econômica de 2008 (o crescimento de 1,6% do PIB em 2016 é o mais baixo desde 2009 e as perspectivas para 2017 não são melhores), terminaram concluindo que se a economia não se estimula, então sempre poderão atear fogo.