"Delações vão ter que ser discutidas", afirma Gilmar Mendes

"O Supremo Tribunal Federal não tem aceito o clamor público como justificador da prisão preventiva". A afirmação é do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes feita para justificar o seu voto para conceder habeas corpus a oito executivos e um funcionário alvos da Operação Lava Jato em 28 de abril de 2015, ou seja há dois anos.

Por Dayane Santos

Gilmar-Mendes - Agência Brasil Antonio Cruz - Agência Brasil/Antonio Cruz

 A declaração contrasta com o discurso insuflado por parte da grande mídia e pelos procuradores da força-tarefa da Lava Jato, em especial o procurador Deltan Dallagnol, que disse que a decisão de libertar o ex-ministro José Dirceu foi um "tratamento diferenciado".

Na época, a presidenta Dilma Rousseff estava há quatro meses de seu segundo mandato e o processo da Lava Jato estava no auge de seus vazamentos e investigações, com amplo espaço nas manchetes.

Gilmar Mendes, que na sessão discursou contra o PT e saudou as investigações da Lava Jato – comparando o processo com a Ação Penal 470 -, seguiu o voto do também ministro Teori Zavascki, falecido em janeiro deste ano, e defendeu que, apesar da soltura dos acusados gerar na sociedade sensação de impunidade, "não podemos nos ater à aparente inidoneidade dos envolvidos para decidir acerca da prisão processual”.

Em entrevista ao portal da revista Brasileiros, nesta quarta-feira (3), Gilmar Mendes disse que já havia advertido que em muitos casos, o STF iria fazer uma reavaliação das prisões preventivas alongadas. "No ano passado nós tivemos algumas discussões. Mas tenho a impressão de que a jurisprudência do tribunal tradicional é de que um crime desse jaez, desse tipo, se já se tem a prova e a instituição probatória, se já ofereceu a denúncia, não é necessário mais a mantença da prisão. Foi um pouco isso que o tribunal decidiu [sobre o caso de Dirceu]. Cada situação terá que ser avaliada", disse.

Gilmar e outros ministros, assim como diversos juristas brasileiros, tem criticado o que chamam de "excesso de prisões preventivas" decretadas pelo juiz Sérgio Moro, responsável pelos processos da Lava Jato em primeira.

O ministro Marco Aurélio Mello, por exemplo, foi um dos primeiros a se posicionar contrário ao uso indiscriminado de prisões preventivas. "Hoje a (prisão) provisória deixou de ser exceção e passou a ser regra. A ordem do processo-crime é apurar para, selada a culpa, prender, e execução da pena. Hoje se prende para dar uma satisfação vã à sociedade, se prende para depois apurar", disse o ministro, reforçando que tal medida é recorrente não apenas na Lava Jato, mas em todo o Judiciário nacional.

Em entrevista no ano passado, Marco Aurélio também criticou as delações premiadas. "Não sei onde vamos parar, porque hoje prender-se para depois apurar-se é a tônica. Prende-se até mesmo para fragilizar o homem e se lograr a delação premiada. Enquanto não delata, não é libertado, se recorre sucessivamente e fica por isso mesmo. Avança-se culturalmente assim? Não, é retrocesso. É retrocesso quanto a garantias e franquias constitucionais. Adentra-se um campo muito perigoso quando se coloca até mesmo em segundo plano o princípio da não culpabilidade", disse Marco Aurélio.

Sobre esse assunto, aliás, o ministro Gilmar Mendes disse à revista Brasileiros que este tema deverá ser debatido pela Corte.

"Isso terá que ser examinado e há muitos questionamentos que estão sendo feitos. Tem também o debate sobre o uso da prisão para obter a delação. Eu não acredito que a prisão provisória sirva para essa finalidade. Eu acho que independentemente da libertação, aquele que tiver algo a delatar poderá fazê-lo tendo em vista a perspectiva de uma pena concreta alongada, quer dizer, se tiver que ser condenado a 30 ou 40 anos – veja aí o exemplo do Marcos Valério -, ele certamente preferiria delatar e negociar", lembrou.