Mateus Fiorentini: França entre neofascismo e establishment de direita

No próximo domingo a França definirá seu ou sua presidente. O primeiro turno do pleito esteve repleto de emoções com o protagonismo da extrema-direita, representada na candidatura de Marine Le Pen, o papel periférico do Partido Socialista (Benoit Hamon), a derrota do republicano gaullista Fillon e o destaque para Jean-luc Mélenchon pela Frente de Esquerda (França insubmissa).

Por Mateus Fiorentini*

Macron e Marine

Agora, no segundo turno, a França decide entre Le Pen, nacionalista da extrema-direita e Macron, há pouco desconhecido, ambíguo, mas que defende o caminho “social-liberal” como Toni Blair, Clinton e FHC – forçado a assumir o campo centrista, é mais acertado encará-lo como centro-direita neoliberal.

O atual período está marcado por uma ofensiva dos setores mais conservadores da sociedade que reagem à grave crise econômica mundial que vem se alastrando desde 2008. A crise trouxe consigo um questionamento do modelo neoliberal por parte de diversos povos.

As manifestações pela saída da União Europeia, a eleição de Donald Trump com o discurso de resolver o problema do emprego nos EUA são exemplos disso.

Dessa forma, é possível afirmar que o longo período de implementação de políticas neoliberais expressadas na União Europeia impuseram aos trabalhadores duras condições de vida, com precarização das relações de trabalho, subemprego, endividamento familiar, etc. Com a crise a saída apresentada pelos neoliberais consiste no aprofundamento do arrocho e estrangular ainda mais os trabalhadores europeus em prol da preservação do capital financeiro. A ausência de uma esquerda forte ou genuína, conforme disse Nancy Fraser referindo-se à eleição de Trump, permitiu que a extrema-direita “ocupe” o espaço da defesa das economias nacionais e do emprego.

No caso francês, o programa de Marine contém medidas como: retirada imediata da Otan e o não envolvimento em guerras que não sejam suas além da perspectiva do compromisso da França com a multipolaridade.

Já em seu discurso, a defesa da desvinculação da zona do Euro e políticas migratórias restritivas para conter a imigração, sobretudo de pessoas oriundas do Oriente Médio e do continente africano. Já Macron, ex-ministro de Hollande, herda o desgaste gerado devido a anos de aplicação do projeto neoliberal e das medidas recentes para enfrentar a crise que aprofundou as contradições sociais e agudizou os impactos da crise sobre os ombros dos trabalhadores em benefício do setor financeiro.

Diante disso, o dilema consiste em enfrentar a crise reforçando políticas de Estado mínimo, com mercado auto-regulado (sobretudo financeiro), economia aberta ou fortalecendo o papel do Estado enquanto indutor da economia e protetor para a sociedade.

Além de defender a saída da Otan e da União Européia, Marine apresenta em seu programa uma agenda de maior presença do Estado na sociedade. Propõe, por exemplo, extinguir a Escola de Magistratura, criando formação comum às carreiras jurídicas e estimular o crédito para pequenas e médias empresas.

Não diferente daqui a questão previdênciaria está em pauta, lá a candidata da extrema-direita propõe aposentadoria integral aos 60 anos, com 40 anos de contribuição. Ainda, pauta saúde pública gratuita e universal, apenas para franceses excluindo os imigrantes. Contudo, é preciso distinguir aparência e essência, já dizia o aniversariante deste 5 de maio, Karl Marx.

Assim, é necessário estabelecer uma leitura que ultrapasse as visões binárias de cada processo. Ainda mais, em momentos conturbados como o atual, explicações maniqueístas não permitem examinar com precisão o curso dos fenômenos.

Assim, a extrema-direita surfa na onda do rechaço às políticas neoliberais, o medo do desemprego e do terrorismo. Nesse sentido, cabe perfeitamente a análise de Henrique Custódio, do Partido Comunista Português, quando afirma que “essa escolha sinistra entre o neofascismo e o establishment governamental de direita não é virgem, já ocorreu quando o pai de Le Pen passou à segunda volta das presidenciais com Jacques Chirac. E é preciso não esquecer que os franceses, passados dez anos após terem esmagado a candidatura neofascista, não viram a vida melhorar, mas piorar.” (confira aqui a opinião completa de Henrique Custódio)

*Professor de História, licenciado pela PUC/SP e mestrando junto ao Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (PROLAM/USP). Presidente do Comitê Sueli Kanayama da USP e da seção paulista da Fundação Maurício Grabois.