Helbert Maciel: Flexibilização e o fim dos sindicatos

Dos vários debates que tenho participado a respeito da terceirização e dessa nefasta reforma da CLT, no que diz com a organização sindical o que mais se discute é o fim do imposto anual. Penso que devamos olhar mais ao cerne da questão.

Por Helbert Maciel*

Trabalhador flexibilização - Foto: Eneas Lopes

O Relator do inconstitucional projeto que modifica 119, sempre a pior, disposições da CLT, tem alegado na grande imprensa que a estrutura sindical brasileira é por demais inchada. No Brasil há mais de 16 mil sindicatos, sendo cerca de 11,4 mil de trabalhadores. Segundo ele, na Alemanha seriam apenas 8. Não 8 mil. 8. Quer frisar que um dos motivos do atraso da economia brasileira seria o grande número de organizações classistas.

Daí que, por sem sombra de dúvidas, o foco é o fim do movimento sindical no Brasil.
Na perseguição desse objetivo, a terceirização ampla e irrestrita aprovada na Câmara é o instrumento por excelência da destruição dos sindicatos.

Foi ainda na década de 1980 que os pensadores do neoliberalismo, ao entendimento de que o mundo seria um só mercado, encetaram a desregulamentação das relações de trabalho: “a invasão mundial das inovações tecnológicas e novas formas de gestão decretou o fim da geografia e transformou os mercados nacionais em peças integradas da economia global”. Nesse mundo sem fronteiras nacionais, o capital e as informações deslocam-se com maior facilidade em busca de melhores condições no que diz com a energia, a ecologia e a mão-de-obra.

No que diz com a mão-de-obra, bem sopesado o imenso exército de reserva, fundamental para os áulicos do neoliberalismo que o “clima adversário” desse lugar à cooperação entre empregados e empregadores. E para tornar cada vez mais possível esse “clima de cooperação”, que estaria a exigir novas modalidades de contratação e de remuneração do trabalho, necessário seria flexibilizar as relações de trabalho.

A flexibilização faz parte de um movimento global de liberalização da economia. Do decálogo do Consenso de Washington, a desregulamentação do mercado de trabalho, não por acaso é seu 9º. mandamento: costumeiramente vem a ser a última das desregulamentações. Afinal, depois da abertura comercial e econômica, a liberalização do comércio exterior, a eliminação de restrições ao investimento estrangeiro direto e a privatização das estatais, a desregulamentação das relações de trabalho seria mera consequência!

Aqui, o marco inicial da flexibilização, ou desregulamentação das relações de trabalho, pretendida é a terceirização aprovada e sancionada e a reforma da CLT.

Mas onde, como e quando e essas medidas afetam ao movimento sindical hoje existente no Brasil, de modo inclusive a possibilitar a extinção dos sindicatos?

Esse pequeno estudo é apenas um ponto de partida. Reflete preocupações de um advogado que milita no Direito Sindical há 35 anos.

A flexibilização tem se caracterizado, no mundo inteiro, por uma forte descentralização das negociações coletivas de trabalho em direção às empresas. Negociações essas, em regra, consubstanciadas em verdadeiras “coalizões de produtividade”.

Tomemos a exemplo a experiência de alguns países. A partir de meados da década de 1980, em oposição à ação sindical, desenvolveu-se um sistema de representação e negociação dentro das empresas. Em 1993, a Wolkswagem realizou acordo com seus empregados que possibilitou a redução de 10% dos salários, de modo a reduzir a diferenças entre os salários praticados na Alemanha, relativamente aos Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul. O mote passou a ser “quem não coopera, não consegue competir”.

Na Inglaterra e nos Estados Unidos a descentralização foi mais radical. As contratações coletivas de trabalho passaram a ser a nível não mais de empresa. Passaram a ser em nível de estabelecimento, de departamento, de divisão e até mesmo de unidade produtiva!

Em regra essas contratações coletivas de trabalho, além de pactuadas para curta vigência, em função mesmo dos interesses empresariais, tem versado sobre redução de salários e subcontratação. Além do que, maior flexibilidade para contratar, destratar, terceirizar e remunerar com base na produtividade. Não para menos: negociação por empresa, ou por segmento de empresa, sob forte subordinação.

Por isso mesmo que às batalhas externas, ombreados em seus sindicatos, o fenômeno desde então vigente tem sido o da submissão interna.

Esse quadro indica a formatação de sindicatos por empresas. Ainda que com baixa densidade de filiados. Ainda assim, com sindicatos por empresas, as contratações coletivas jamais versam sobre a mão-de-obra periférica, ou terceirizada.

Esses elementos estão a indicar o resultado útil desse enorme passo neoliberal perpetrado no Brasil: a flexibilização em curso tem por escopo destruir os sindicatos, espinha dorsal dos movimentos sociais no Brasil.