Antonio Candido, um pensador brasileiro

Pode-se discordar de algumas teses de Antonio Candido, mas é difícil escrever sobre ele, que foi um gigante da cultura brasileira.

Por José Carlos Ruy

Antonio Candido - Divulgação

Intelectual, professor e militante político – estes são traços importantes da atividade de Antonio Candido, inseparáveis de sua importante obra, que enriquece o patrimônio cultural de nosso país e é de leitura obrigatória para quem deseja conhecê-lo.

Antonio Candido foi, na primeira metade dos anos 40, um dos editores da revista Clima, na qual criou o conceito de pré-modernismo que deixou nas sombras as obras imprescindíveis de Olavo Bilac e Lima Barreto, por exemplo, vistas desde então como menores em relação às que vieram depois, com o chamado modernismo. Ele próprio, muito mais tarde, reconheceu essa impropriedade, mas o conceito de pré-modernismo havia ganhado posição na história literária. Que gigante não comete percalços?

Foi ele também que deu direitos de cidadania à avaliação, por sua geração, da refundação da história do Brasil por três autores que publicaram nos anos 30 – Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr. Esta avaliação ganhou amplo curso desde sua publicação em um prefácio que escreveu para Raízes do Brasil, nos anos 60.

É por isso que a obra de Antonio Cândido (na qual se destaca Formação da Literatura Brasileira, de 1970) está inscrita entre aquelas que são fundamentais e precisam ser estudadas, e abrem caminhos de investigação para os estudiosos. Aliás este é outro traço da atividade de Antonio Cândido – a de formador, seja diretamente como professor, seja indiretamente, como escritor – de gerações de intelectuais que se voltam à tarefa de compreender as particularidades do Brasil.

É comum se referir a ele como crítico literário, mas é difícil rotular um homem do pensamento com a envergadura de seus interesses. Ele estudou literatura, e foi professor de estudos literários. Mas cabe a ele também outros rótulos – sociólogo, antropólogo e mesmo historiador; foi jornalista e conferencista. Foi sobretudo um estudioso ligado ao conhecimento das ideias em nosso país. Neste particular, ele foi insuperável!

Conseguia unir, em suas obras, o rigor científico e a compaixão pela sorte do povo. Que se leia Parceiros do Rio Bonito (1954), que foi sua tese de doutorado e se transformou num clássico obrigatório no qual sua compaixão pela sorte do povo transparece em cada página. O livro resulta do estudo que fez em Bofete, no interior de São Paulo, onde retratada situação dos pobres do campo (os parceiros), negros, mulatos, caboclos, e descreve em cores vivas as dificuldades de sua vida e a fome que enfrentavam no dia a dia.

Esta é outra dimensão do intelectual militante e sensível que foi Antonio Candido: o compromisso com a mudança social e política. Dimensão marcada, nele, por claras opções políticas à esquerda – foi fundador, nos anos 40, do Partido Socialista Brasileiro. E, em 1980, do Partido dos Trabalhadores, ao qual sempre foi filiado, e apoiou ativamente seus candidatos, principalmente à presidência da República, como Lula e Dilma.

Esta é a grande lição que este homem da cultura que, nos 98 anos que durou sua vida, deixa para os brasileiros, para os intelectuais e para os militantes políticos. Este homem suave e educado foi rigoroso como cientista social, e também como lutador político pelo socialismo, pela democracia, pelo Brasil e pelos brasileiros.