Abordagem de Doria na Cracolândia é irresponsável, diz especialista

No último domingo (21), em plena Virada Cultural de São Paulo, o prefeito João Doria (PSDB), em parceria com o governo do estado, realizou uma operação com quase mil membros das polícias militar e civil e da Guarda Civil Metropolitana na Cracolândia, região central da cidade. Munidos de bombas e balas de borracha, os agentes agiram no intuito de dispersar o grande número de usuários de drogas no local. 

Por Laís Gouveia 

Cracolândia - Alice Vergueiro

Nathália Oliveira, membro da organização não governamental  É de Lei e presidenta do Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas e Álcool de São Paulo (Comuda), conversou com o Portal Vermelho sobre o assunto. Para ela a ação foi irresponsável, além de ferir os direitos humanos, retrocede em relação a uma série de políticas assistenciais realizadas com os usuários de drogas no último período.

Nathália informa que o prefeito teria pactuado pelo não uso da violência no local, mas a expectativa era de que a operação ocorrereria a qualquer momento. “Os movimentos de direitos humanos que atuam na região já esperavam pelo chamado ‘Dia D’. Doria foi eleito com a promessa de acabar com a Cracolândia, mas combinou, através dos seus secretários, que não existiriam ações violentas, propondo uma transferência gradual do Programa De Braços Abertos [do governo Haddad] para o Programa Redenção, sem o uso das internações em massa. Fomos pegos de surpresa com essa abordagem de domingo, mas, no fundo, nós nunca confiamos na palavra de Doria. O compromisso dele é com os holofotes midiáticos”, condena.

“Então, no domingo, a polícia chegou na Cracolândia para cumprir 69 mandados de prisões contra traficantes, mas de forma extremamente violenta, invadindo inclusive hotéis privados, com bombas e tiros para todos os lados e espalharam o fluxo. Para tornar a situação ainda mais crítica, na tarde desta terça-feira (23) ocorreram demolições em prédios que deixaram pessoas feridas. Eles estão descontrolados”, denuncia Nathalia.

No vídeo abaixo, uma moradora da rua Helvetia mostra minutos depois do desabamento do muro que deixou feridos na região da Cracolândia. Vídeo: Jornalistas Livres

Nathália avalia que a ação policial reforça  a desconstrução de um trabalho realizado há anos na Cracolândia. “Essas medidas só atrapalham. Quando as pessoas que fazem o uso abusivo de drogas estão concentradas em um território específico, as equipes de saúde e assistência social criam um vínculo nesse espaço, ofertando cuidado e prestando auxílio aos usuários, que já se encontram em uma situação de extrema vulnerabilidade”, ressalta.

“Com essa ação de dispersão, essas pessoas irão vagar nas ruas perdidas e sofrerão mais ainda violência policial, sem acesso à albergues ou serviços de proteção, tendo em vista que, por conta da operação, toda a rede está congestionada”, alerta a socióloga.

Políticas de Haddad e Doria: Proteção x Despreparo
Nathália Oliveira 
Ela relembra o Programa “De Braços Abertos” como pioneiro nas políticas públicas na área da drogadição no Brasil. “A proposta não se baseava na violência. Sem a exigência de abstinência, olhando para esse sujeito para além de um usuário de drogas, propondo resolver necessidades básicas, como a oferta de emprego e geração de renda, acesso à moradia e uma equipe de assistência social, procurando uma retomada de vinculo dessa pessoa com sua família, além de um acompanhamento da defensoria pública, pontos básicos para reconstruir sua vida”, diz Nathália.

Nathália conclui afirmando que, na contramão do que propõe Doria, o rumo das políticas de tratamento a pessoas com uso abusivo de drogas deveria ser uma rede que respeite a dignidade a autonomia. “É preciso construir vínculos mais saudáveis para essa população”, finaliza.

Denúncia internacional

O Ministério Público estuda entrar com ação judicial  para impedir a Prefeitura de agir na Cracolândia, tendo em vista o despreparo técnico da administração para lidar com a situação no local. Além disso, movimentos de direitos humanos organizam uma denúncia internacional para apresentar na Organização Mundial de Saúde (OMS) e na Organização dos Estados Americanos (OEA).