Colapso da democracia no Brasil e o contraponto do Maranhão

O sistema político no Brasil enfrenta uma das maiores crises da história, crise em que os poderes legislativo, executivo e judicial confundem os seus limites e os seus papéis constitucionais.

Por  Alexandre Weffort*

democracia

A separação dos poderes foi contaminada pelos interesses setoriais, e mesmo pessoais, dos agentes políticos. Contaminação que se observa na esfera econômica, com o fenômeno da corrupção por meio do suborno pontual ou sistemático (a "propina") e que chega até à esfera moral (onde outros poderes, que não os constitucionais, afirmam a sua presença: a mídia e a religião).

No site do STF podemos ler, numa matéria de análise sobre o populismo, o seguinte: "o modelo democrático surgido a partir da Europa Ocidental depois do fim da Segunda Guerra Mundial (…) vem sofrendo rupturas, com a desagregação dos partidos históricos e o surgimento de lideranças desvinculadas do sistema tradicional (…) Quando as instituições democráticas intermediárias, como os partidos políticos, entram em colapso, o Judiciário constitucional forte surge como antídoto ao poder do Executivo (…) Os juízes se tornam figuras públicas, suas decisões se tornam assunto de interesse público”(1).

A visão acima exposta, difundida no site do STF, obriga a questionar a parcialidade que resulta do ponto de vista dominante. A análise citada, produzida na esfera jurídica ao mais alto nível do sistema, revela a sua vinculação à perspectiva ideológica dominante, de defesa do "sistema tradicional", sem questionar as contradições inerentes a esse mesmo sistema (onde "tradicional" equivalerá a "burguês"). O emergir de um papel político no judiciário constitui um dado que marca o momento político de forma contraditória: na medida em que o judiciário se politiza, assumindo um papel como força política, se fragiliza na sua essência e, com isso, fragiliza a democracia.

O governador Flávio Dino, em entrevista recente publicada pela revista Fórum (2), documento que merece ser passado a texto, pela profundidade da análise produzida pelo jurista e governador maranhense, são assinalados os aspectos mais problemáticos – em termos políticos – do absolutismo moralizante que o judiciário promove, por exemplo, no âmbito da operação Lava Jato. Diz Flávio Dino (aos 37 minutos da entrevista citada): "quando você adota uma posição em que absolutiza supostos parâmetros morais acaba caindo na armadilha (…) prática (…) Na própria ação de quem está investigando vão-se criando fissuras, incoerências (…) de uma pessoa estar aqui hoje e estar do outro lado levando um acervo de informações". Na sequência da entrevista, o governados afirma: "Você não pode canonizar, santificar, nenhuma instituição humana". Dino refere ainda a existência de uma "vertente meio salvacionista, messiânica, de um populismo judiciário que conduz à ilegitimidade do judiciário porque ele só se legitima materialmente na medida em que ele seja o mais imparcial quanto possível" (2, em 40:20).

O movimento de rua, aproveitado pelas forças políticas promotoras do golpe, como o PSDB, para dar ao golpe parlamentar de 2016 teve a presença marcante da esfera religiosa, nomeadamente pentecostal, como foi assinalado à época (3). A questão religiosa também tem estado presente no problema político com a tomada de posição de instâncias religiosas, como a CNBB, que se posiciona contra a política ultra-liberal do governo de Temer e a sua agenda.

A violação dos limites da separação de poderes se torna evidente em situações como a relatada pela mídia, em relação ao papel desempenhado por agentes públicos. Diz a notícia:

"Em Dourados, no Mato Grosso do Sul, o Ministério Público convocou pais e mães pra um evento, que acabou incluindo pregação religiosa de um procurador. (…) O evento foi tão grande que precisou ser marcado para o estádio da cidade. Milhares de pessoas compareceram, mas muitas não conseguiram nem entrar, porque faltou espaço lá dentro. Com medo de sofrer uma punição, pessoas do lado de fora assinaram uma lista de presença, e só depois foram dispensadas para ir para casa. O objetivo da convocação era "tratar de assuntos relacionados à educação do seu filho" e à implantação de um programa de prevenção contra a evasão e a violência escolar. A convocação diz que "a presença dos pais ou responsáveis é obrigatória". "Em caso de falta", pais ou responsáveis teriam de apresentar justificativa à direção ou coordenação da escola. Senão, multa de até 20 salários mínimos, cerca de R$ 18 mil. E ainda o risco de ser processado pelo crime de "abandono intelectual".

No caso concreto, a notícia relata um somatório de abusos por parte do agente do MP sobre a esfera educacional, sobre os pais, de intimidação com uso abusivo da lei, ameaçando aqueles que não se prestassem a ir ouvir a pregação moral imposta, produzida fora de contexto (sem sequer entrar na discussão de mérito das opiniões versadas).

O evento, traduzindo um evidente excesso (mesmo nos parâmetros da direita agora no poder) por parte do agente do MP referido, é produto do processo desencadeado pelo golpe, como decorrência ideológica do movimento "escola sem partido", numa demonstração de autoritarismo que podemos também correlacionar com o recurso à imagem das forças armadas (como suporte de poder) realizado por Temer, exactamente no momento em que ele se viu acossado, visado pela justiça em processo relacionado com corrupção, ou com o caso recentes de Dória na "cracolândia". Essa é a face ideológica de quem detém hoje o poder no Brasil, Mas há o contraponto.

As perspectivas de saída para a crise social e política do Brasil são expressas tanto pelo crescimento do movimento popular em torno da necessidade de eleições diretas, como pela ação política concreta, como acontece no Maranhão, onde "o governo Flávio Dino mantém um elevado patamar de aprovação, com claros sinais de fidelização de amplos setores sociais espalhados em todas as regiões do Maranhão (…) dados [que] revelam [a] resiliência do governo ao cenário político nacional (…) [com] a manutenção de índices de aprovação de um governo estadual na casa dos 60% após dois anos de gestão (…) Uma das explicações para avaliação positiva do governo Flávio Dino são os fortes investimentos em programas e ações em todas as regiões do Maranhão, que vêm reduzindo os impactos da crise econômica nacional no estado" (5). Nesses programas, sobressai o da educação.

O contraponto foi já produzido no Maranhão, estado que em 2014 se libertou do "coronelismo mais longevo" e que hoje constitui um exemplo para o resto do país, que precisa se libertar do oligarquismo que asfixia a vida política e a democracia Brasil.

*Alexandre Weffort é professor, mestre em Ciência das Religiões e doutorando em Comunicação e Cultura.

Notas:

(1) http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=344909
(2) http://www.m.vermelho.org.br/noticia/297654-1
(3) http://www.grabois.org.br/portal/artigos/152759/2016-05-13/politica-e-religiao-desencontros-e-encontros-na-acao
(4) http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2017/06/palestra-para-pais-convocada-pelo-mp-em-dourados-provoca-polemica.html
(5) http://www.m.vermelho.org.br/noticia/295118-1
(6) https://oglobo.globo.com/brasil/flavio-dino-coronelismo-mais-longevo-da-vida-republicana-foi-derrotado-14161762