Noventa anos de Ariano Suassuna
Ariano Suassuna inaugura uma nova maneira de olhar o sertão. Não falo do sertão a que se referiam os ingleses – backlands, terras de trás –, conceito que abarcava tudo o que não é litoral, incluindo até mesmo os interiores de São Paulo. Refiro-me ao sertão do nordeste brasileiro, já visitado pelo romantismo de José de Alencar no “O Sertanejo” e por Euclides da Cunha na sua epopeia de Canudos.
Por Ronaldo Correia de Brito*
Publicado 14/06/2017 17:22
Há uma sucessão de recriadores desse lugar ou não lugar. Com o Romance de 30 e o Movimento Regionalista, surge a visão moderna e social de Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Raquel de Queiroz. No “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, sobrepondo-se à épica e ao social, o mundo sertanejo é representado através da poesia e da metafísica.
No “O Romance da Pedra do Reino”, Ariano Suassuna retoma a tradição mítica e a épica sertaneja, através dos romances ibéricos de tradição oral, da literatura de cordel, do teatro, dos contos e brincadeiras populares, e de sua história familiar, tão rica de acontecimentos trágicos e burlescos. “O Romance da Pedra do Reino” tornou-se um novo marco inaugural, um sertão com matriz nas cidades de Taperoá, Princesa e São José do Egito, e nos estados da Paraíba, de Pernambuco, do Rio Grande do Norte e de Alagoas.
Ariano Suassuna nunca negou seu nacionalismo. Os escritores russos Tolstoi, Dostoievski e Gogol foram importantes na sua formação por serem nacionalistas. Compositores russos, romenos, húngaros e tchecos serviram de modelo e inspiração aos conceitos do Movimento Armorial, pois criavam a partir de matrizes populares. O xilogravador Gilvan Samico, um dos primeiros membros do Armorial nas artes plásticas, elabora suas gravuras inspirado nas histórias dos folhetos de cordel. Da mesma forma, o compositor Antonio Madureira compõe sua música Armorial ouvindo os violeiros, aboiadores, rabequeiros e brincantes.
No nordeste do Brasil, a arte popular é um bem comum a todas as pessoas, não há um abismo entre ela e a tradição erudita. Câmara Cascudo e Mário de Andrade referiam que ainda não tínhamos resolvido a questão da nossa oralidade. Ariano, um artista de formação culta, trabalha com os recursos da tradição oral e uma grande bagagem erudita, principalmente ibérica e latina clássica. Dialoga com Molière e Goldoni, para construir o teatro e o romance que o notabilizaram, e para elaborar um discurso político em defesa da cultura brasileira, a maior razão de sua existência.