Dez pontos chaves da política de Donald Trump para Cuba
A mudança na política em relação a Cuba, anunciada na sexta-feira, 16 de junho, em Miami, pelo presidente Donald Trump, implica um recuo em vários aspectos das relações bilaterais, enquanto ainda estão em pé muitos dos discretos progressos registrados a partir de 17 de dezembro 2014, com a administração de Barack Obama.
Por Sergio Alejandro Gómez
Publicado 20/06/2017 20:47
Partilhamos com nossos leitores as opiniões e análises de importantes acadêmicos, políticos e meios de comunicação dos dois lados do Estreito da Flórida, a fim de contextualizar os pronunciamentos de Trump e sua possível importância para o futuro das relações entre os dois países.
1. O presidente pagou uma suposta dívida com a extrema-direita de Miami
O conteúdo das declarações, o local escolhido e o público que acompanhou o presidente, no teatro de Miami, que leva o nome do mercenário de Playa Girón, Manuel Artime, confirmou as suspeitas de muitos analistas de que o presidente foi aconselhado exclusivamente por um punhado de pessoas que não representam a maioria do público norte-americano ou a comunidade cubana nesse país.
“Eu acho que o presidente está pagando dívidas políticas ao senador Marco Rubio e ao representante Mario Diaz-Balart”, disse a este jornal o advogado estadunidense Robert Muse, que tem uma vasta experiência no estudo das relações entre Washington e Havana.
Graças à sua proximidade com o presidente, o uso de ardis políticos e o emprego dos seus cargos influentes no Congresso como moeda de troca, ambos os legisladores republicanos tornaram-se os principais arquitetos da guinada no rumo da Casa Branca.
“A nova política de Trump em relação a Cuba é ditada por considerações de política interna, e não por interesses da política externa”, diz William Leogrande, professor de Governança, da American University. “O próprio presidente disse que estava pagando uma dívida política que ele tem com os conservadores cubano-americanos, por seu apoio na campanha eleitoral”.
2. As mudanças afetam os próprios interesses dos Estados Unidos e prejudicam o povo cubano
Em sua ânsia de agradar a extrema direita na Flórida e desmantelar o legado do seu antecessor democrata, Trump escolheu afetar os interesses de amplos setores nos Estados Unidos e reforçar a política do bloqueio, que causa enormes prejuízos ao povo da Ilha. Sua frase “os Estados Unidos da América primeiro”, parece não ser aplicada a Cuba.
“As mudanças são graves: não serão permitidas operações com empresas cubanas associadas às Forças Armadas e as viagens educacionais ‘povo a povo’ vão precisar, novamente, do patrocínio de determinadas organizações”, diz Phil Peters, presidente do Centro de Pesquisas sobre Cuba.
“Este é um recuo importante, em relação à normalização, que desfere um golpe à liberdade dos americanos de viajar, à nossa segurança nacional e às pessoas em Cuba que estão ansiosas de recuperar a ligação com os Estados Unidos; tudo isso para cumprir um favor político a uma pequena facção local”, disse o senador Patrick Leahy, que é favorável aos laços, após o anúncio de Trump.
Mas são muitos os setores dentro dos Estados Unidos que temem que uma deterioração das relações com Havana possa afetar o progresso em outras áreas.
A Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAC) lembrou a importância da troca fluida que manteve, nos últimos anos, com a Academia das Ciências de Cuba. Observou que ambos os países compartilham o clima, a água e as doenças. “A ciência não tem fronteiras”, disseram, depois de afirmar que vão continuar focalizados no intercâmbio com seus homólogos cubanos.
Grupos de agricultores criticaram a postura de Trump, indicando que poderia deter o aumento das exportações para Cuba que, de acordo com a agência Reuters, foi de US$ 221 milhões em 2016.
Esse número foi alcançado, apesar de que ainda é proibido pela lei a concessão de empréstimos para a compra de alimentos e Cuba é obrigada a pagar em dinheiro.
Outra contradição que os especialistas apontam é o pressuposto da nova abordagem política para defender a segurança nacional dos Estados Unidos.
Cerca de uma dúzia de ex-altos funcionários dos EUA enviou, em abril, uma carta ao assessor de Segurança Nacional de Donald Trump, o general H. R. McMaster, aconselhando-o que cortar os laços com a Ilha terá implicações para a segurança dos Estados Unidos e que a Ilha pode ser um importante aliado na luta contra o tráfico de drogas e a gestão de emergências.
3. A ideia de punir aquelas empresas ligadas às forças armadas revolucionárias (FAR) e aos serviços de segurança e inteligência cubanos é uma velha aspiração da extrema direita cubano-americana
A aspiração de desferir um golpe a este setor é de longa data entre os legisladores cubano-americanos, que apesar dos seus sucessos em fortalecer o bloqueio não conseguiram sufocar a economia cubana.
Em junho de 2015, Marco Rubio introduziu um projeto de lei no Senado para proibir quaisquer transações com empresas do setor militar cubano.
Ainda, o projeto de lei do orçamento de serviços financeiros e os gastos do governo geral em 2017, aprovado pela Câmara dos Representantes no ano passado, também incluía uma cláusula para atingir o mesmo fim, defendida por Diaz-Balart.
Ambas as iniciativas falharam no Congresso; e então os legisladores aproveitaram a oportunidade para incluir os seus objetivos na mudança de política de Trump.
Muitas das empresas geridas pelas FARs estão entre as mais eficientes e produtivas no país, criam produtos e serviços de alto valor agregado e empregam milhares de pessoas. Seus lucros, ao contrário do que acontece em outras partes do mundo, são revertidos na qualidade de vida das pessoas.
4. Rubio e Diaz-Balart depararam-se com uma esmagadora rejeição da sua política
De acordo com alguns órgãos da mídia dos EUA, como The Hill, os primeiros rascunhos de projetos apresentados a Trump com ações contra Cuba incluíam medidas mais rigorosas; começando por cortar os laços diplomáticos completamente até novamente incluir Cuba na lista de países que patrocinam o terrorismo.
No entanto, as ideias mais radicais de Rubio e Diaz-Balart colidiram com o imenso apoio à política de aproximação dentro das próprias agências governamentais dos EUA e em muitos setores do país.
Nos últimos meses, mais de 40 empresas envolvidas no negócio das viagens, líderes de megaentidades, como Google e Marriot, congressistas de ambos os partidos, organizações da comunidade cubana, os grandes meios de comunicação norte-americanos, líderes políticos e sociais em todo o espectro e, inclusive, várias entidades civis da Ilha fizeram chegar ao presidente seu desejo de que os laços entre Washington e Havana fossem mantidos.
“A Casa Branca ficou presa entre a opinião pública, que favorece as viagens e o comércio e as suas concessões e Rubio e Diaz-Balart”, disse ao Granma Internacional o presidente da agência de Viagens Educacionais a Cuba, Collin Laverty. “O presidente disse que tinha ‘cancelado o acordo de Obama’ mas realmente ele ficou nas bordas, porque ele sabe que a abertura de Obama foi popular”.
5. Obama não fez concessão alguma a Cuba
Uma das ideias defendidas pelo presidente, durante seu discurso na sexta-feira, 16 de junho, foi a necessidade de acabar com alegadas “concessões unilaterais” a Cuba, por parte de Barack Obama, depois dos anúncios de 17 de dezembro de 2014.
No entanto, em nenhum dos 22 acordos assinados, nos últimos dois anos, pode ser encontrada uma única medida que beneficie apenas Cuba.
Poder trabalhar em parceria diante de um vazamento de óleo no Estreito da Flórida; combater o cibercrime, o terrorismo ou o tráfico de drogas, o reforço da segurança na navegação marítima ou compartilhar experiências em lidar com o câncer, beneficiam tanto Cuba como os Estados Unidos.
Da mesma forma, as alterações limitadas que Obama fez à aplicação do bloqueio tinham claros interesses políticos por parte dos Estados Unidos e tinham uma forte intenção de favorecer determinados setores da sociedade cubana.
6. Trump desempoeirou a retórica da guerra fria
Se bem que a maioria das medidas anunciadas por Trump estavam dentro das previsões dos analistas, a grande surpresa de sua apresentação na sexta-feira, 16 de junho, foi a retórica bruta e ofensiva que usou contra Cuba, que remonta à era da Guerra Fria que ambos os países tinham começado a superar.
“Isso não nos deveria surpreender”, opina o professor e pesquisador do Centro de Estudos Hemisféricos e sobre os Estados Unidos, na Universidade de Havana (Cehseu), Luis René Fernández, que destacou o passado do ex-presidente como apresentador de realitys shows. “A verdadeira razão da retórica da Trump são as dificuldades políticas internas que está enfrentando e o palco de Miami, onde foi cercado por grupos ignorantes e reacionários”.
A história já demonstrou que, mesmo nas piores situações — como a do chamado “período especial”, dos anos 90 do século passado, após a queda do bloco socialista e o acirramento do bloqueio — Cuba sobreviveu e começou sua recuperação com sucesso, indica o acadêmico cubano. “Obviamente, hoje temos melhores condições para lidar com esta política antiga e fracassada”.
7. Cuba jamais vai negociar sob pressão
Cuba e os Estados Unidos têm uma longa história de negociações, tanto secretas quanto públicas, que vão desde a administração de John F. Kennedy até Barack Obama. Uma constante tem sido a posição de Havana de não ceder a pressões ou extorsões ou negociar aspectos da sua soberania.
“Quem conhece Cuba sabe que apontar-lhe o dedo, indicar e ameaçar não vai produzir quaisquer resultados”, opina Laverty.
A Declaração do Governo Revolucionário, publicada após o discurso de Trump, confirma este princípio, citando seu primeiro pronunciamento, de 1º de julho de 2015, após a entrega dos documentos para restaurar os laços entre Cuba e os Estados Unidos: “Estas relações devem ser fundadas no respeito absoluto pela nossa independência e soberania; o direito inalienável de cada Estado para escolher os sistemas políticos, econômicos, sociais e culturais, sem interferência de qualquer forma; a igualdade soberana e a reciprocidade, que são princípios essenciais do Direito Internacional, tal como foi espelhada na Proclamação da América Latina e do Caribe como Zona de Paz, assinada pelos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Estados da América Latina e Caribe (Celac), em sua 2ª Cúpula, em Havana”. E conclui: “Cuba não renunciou a estes princípios e nunca vai desistir”.
8. Nem todas as portas estão fechadas
Os especialistas consultados pelo Granma Internacional concordam em que a mudança política de Trump constitui um retrocesso nas relações, mas ainda há espaço para que os dois países continuem procurando canais de cooperação.
“Apesar da retórica política, a administração Trump quer trabalhar com o governo de Cuba em áreas de interesse mútuo, tais como a aplicação da lei, o combate ao tráfico de drogas e a cooperação”, garante James Williams, presidente da coligação Engage Cuba, que defende em Washington o levantamento do bloqueio.
“Até agora, nenhum dos 22 acordos assinados entre os dois países em vários campos foi suspenso”, diz o professor William Leogrande como um sinal de esperança.
O acadêmico cubano Luis René Fernández indica que, embora Washington tenha escolhido retornar a uma política fracassada, Cuba continuará com sucesso o processo de atualização de seu modelo econômico, o que abre muitas possibilidades.
9. O Congresso: Outro campo de batalha
Embora o presidente tenha amplos poderes para conduzir as relações exteriores e, até mesmo, alterar a aplicação prática do bloqueio, as políticas agressivas contra Cuba estão enraizadas fortemente no Congresso.
Atualmente, há vários projetos de lei a favor e contra as relações no legislativo. Um dos mais desenvolvidos é o que apresentaram o representante republicano Jeff Flake e o democrata Patrick Leahy, no Senado, para levantar todas as proibições das viagens.
Não é a primeira vez que iniciativas semelhantes são apresentadas; mas desta vez se destaca o apoio bipartidário, com mais de cinquenta copatrocinadores no Senado.
“Qualquer política que diminua a capacidade de viajar livremente a Cuba não é do interesse dos EUA nem do povo cubano. Está na hora de a liderança do Senado, finalmente, permitir um voto ao meu projeto de lei que levantaria totalmente essas restrições arcaicas que não existem mais para qualquer outro país do mundo”, disse o senador Flake em um comunicado, após os pronunciamentos de Trump.
Segundo a Reuters, Flake acredita que, caso seja submetido ao escrutínio, poderia chegar até 70 votos a favor no hemiciclo de 100 lugares. Um projeto semelhante teria que ser discutido na Câmara dos Deputados, onde o equilíbrio não é favorável, mas certamente as condições são muito mais favoráveis do que no ano passado.
“Já estamos vendo um florescimento das críticas a esta nova política pelos republicanos no Congresso”, refere Williams. “Esperamos que isso possa servir como um catalisador para que o Congresso avance e remova completamente as restrições às viagens e ao comércio”.
10. Será preciso esperar pelas regulamentações para conhecer o verdadeiro alcance das medidas
A Diretiva Política assinada por Trump revoga a Diretiva anterior do presidente Obama e define algumas orientações gerais sobre como implementar as novas restrições às viagens e ao comércio.
No entanto, ele oferece tempo de 30 a 90 dias e outros indefinidos, para a publicação das regulamentações específicas para as diferentes agências envolvidas.
Até que não entrem em vigor as medidas e sejam conhecidos os pormenores que irão reger a sua implementação é difícil saber a extensão e o potencial impacto das novas medidas de Trump.