Guadalupe Carniel: O Play Fair é golpe!!!

Uma coisa que aprendi há tempos foi que quando algo parece que chegou ao fundo do poço,vem alguém pra jogar uma pá e ir mais fundo. A IFAB, que é um órgão da FIFA responsável pelas regras do futebol divulgou no sábado, 17, o projeto Play Fair! que promete “revolucionar” o futebol.

futebol

O documento segundo a FIFA tem três objetivos: estender o tempo de bola rolando, já que durante os 90 minutos efetivamente não ocorre isso; aumentar o respeito e melhorar comportamentos de jogadores e promover a atratividade sobre o futebol e desenvolver a justiça. Pelo visto, eles gostam do número três já que as propostas de regras estão divididas também em três, as que podem ser implementadas imediatamente, as em teste e as que devem ser discutidas. Elas serão analisadas em março de 2018, mas algumas já estão sendo testadas em competições de base na Europa.

As propostas que podem ser implementadas imediatamente:

– Aumentar a influência do capitão. Ele seria o responsável pela comunicação com o árbitro e único permitido a conversar com o árbitro em uma decisão controversa. Ainda se tornando o elo para tentar acalmar situações e companheiros.

– Cálculo mais estrito dos acréscimos, parando o relógio diante de situações como a cobrança de um pênalti, um gol, o atendimento a um jogador lesionado, a punição a um atleta com cartões e as substituições;

– Aplicar a limitação de seis segundos de posse de bola com as mãos do goleiro de maneira mais rígida;

As propostas que prontas para teste:

– Ser mais rigoroso com jogadores e times que pressionam ou fazem rodas em volta dos árbitros, podendo até mesmo multar ou reduzir pontos;

– Mostrar cartões amarelos e vermelhos para técnicos ou outros membros da comissão técnica, para tornar a punição mais clara;

– Cobranças de pênalti seguindo o modelo ABBA de alternância entre os batedores;

– Permitir que defensores recebam a bola dentro da área na cobrança de um tiro de meta;

As propostas que devem ser discutidas:

– Se um jogador do banco receber cartão vermelho, o número máximo de substituições é reduzida em um. Se o time já tiver feito as três, perde uma no próximo jogo;

– Relógio parando quando a bola está fora de jogo, nos cinco minutos finais do primeiro tempo e nos dez últimos do segundo. Em uma mudança radical, o jogo inteiro seria disputado com dois tempos de 30 minutos;

– Estádios com relógios visíveis aos torcedores, que estarão conectados com os relógios dos próprios árbitros;

– Permitir que faltas, escanteios e tiros de meta sejam cobradas por um jogador para si mesmo, dando o segundo toque na bola. Dessa forma, quem sofre a falta pode acelerar o jogo, reiniciando rapidamente o ataque;

– Expulsar jogadores que colocarem a mão na bola para tentar marcar um gol; punir recuos de bola com pênalti, e não mais com tiro livre indireto;

– Conceder ao árbitro o poder de confirmar um gol caso uma bola seja afastada com a mão em cima da linha;

– Apitar o final do primeiro ou do segundo tempo apenas quando a bola estiver fora de jogo;

– Transformar as cobranças de pênalti durante a partida em um lance sem rebote. Em caso de defesa ou de bola na trave, o goleiro receberia o direito de cobrar um tiro de meta.

Sobre os objetivos: primeiro, a IFAB gastou 121 anos (seu tempo de existência) para descobrir que a bola não rolava durante os 90 minutos, e caso, eles não tenham acompanhado a evolução do esporte antigamente o futebol era muito mais cadenciado, lento em relação a hoje. Atualmente, os atletas têm que ter muito mais físico do que técnica refinada. São atletas de alto rendimento, especialistas em correr. Segundo, aumentar a atratividade (leia-se lucro) é absurdo. O futebol ainda é o esporte mais rentável do mundo, com o futebol americano não chegando nem na metade do primeiro colocado. Terceiro, melhorar o comportamento dos jogadores? O futebol é algo que mexe com a emoção, não tem nada de mecânico. Aliás, todo esporte faz isso, em maior ou menor grau. Não estamos falando do começo do século, do esporte praticado por bretões cavalheiros com camisas de seda bem passadas e com damas sentadas com suas sombrinhas e vestidos bem cortados.

Relógio parar a cada momento como no futebol americano ou dois tempos de 30 minutos como no futsal? Melhor solução seria então oficializar o fim do futebol. A cera faz parte do charme. E se acreditam que isso vai diminuir a cera, ledo engano. A bola sairá no final do jogo com o time que tiver ganhando e vai ficar segurando ela o tempo que for fora, afinal, o relógio só vai rodar com a bola. Ninguém exceto o capitão dirigir a palavra ao juiz? “Punições mais claras”. Quando leio isso, sempre me lembro do "Futebol ao sol e à sombra" do Eduardo Galeano quando ele fala sobre como atualmente o orgasmo máximo do futebol, o gol, está sendo evitado. Criam-se táticas, criam-se regras, como penal sem rebote. Não basta a vida que levamos, ainda a única alegria que tem ao povo é privada.

“Conceder ao árbitro o poder de confirmar um gol caso uma bola seja afastada com a mão em cima da linha”. A Copa de 2010 foi insossa se não fosse por um lance: Suarez salvou a seleção uruguaia de cair fora contra Gana em um dos lances mais sensacionais. Sim, ele teve muito sangue frio para fazer aquilo. Se ele não fizesse nada, seria gol, com 100% de certeza; mas com a defesa ficou 50% de chance. E aquilo abalou Gana que acreditava que passaria. E não passou. Mesmo com a expulsão, Suarez foi recebido como herói. E claro, quem torceu por Gana deve ter ficado insatisfeito, já que ali acabaram as chances africanas na primeira Copa no continente.

“Expulsar jogadores que colocarem a mão na bola para tentar marcar um gol”. Não teríamos hoje em dia um dos melhores lances do futebol, onde descobrimos no futebol que deus, ou melhor, D10S existe e ele é argentino; enquanto as Malvinas eram perdidas fora de campo, a Argentina lavava sua alma dentro.

E a graça do futebol é essa mesmo: heróis, violões, a coisa ser mais orgânica, natural possível, conseguir numa lambança ou erro de arbitragem (já estão fazendo uso de videoarbitragem em jogos) a classificação do seu time. Afinal, atire a primeira pedra quem nunca comemorou quando um árbitro errou a favor do seu time e em todos os programas esportivos foram discutidos à exaustão que aquilo foi erado? Como diria Nelson Rodrigues, o videoteipe é burro. A discussão que se arrasta ao longo dos dias até a próxima peleja. A graça é justamente essa. Discutir em todos os lugares, na fila do banco, no jantar de família, no bar. O time que se dá bem hoje, se estrepa amanhã, já que a bola pune, não precisamos de novas regras, cada vez mais privando todos de vive-lo.

O povo já está fora das arenas e estádios, com seus preços exorbitantes, horários absurdos e cada vez mais privando a festa, como em São Paulo, que não entra bandeira, não entra instrumento, não entra sinalizador, não entra camisa de torcida. Não pode se pendurar no alambrado, se subir, tem que descer o mais rápido possível, quando a polícia está de bom humor. Aliás, eu já bati e bato sempre nessa tecla: uma polícia que não sabe lidar com pessoas, não pode estar no estádio.

Que o futebol ainda viva, mas que viva de forma mais solta, que não tentem transformar em outros esportes, vendendo mentiras como “tornar mais justo” ainda mais vindo de uma FIFA que já teve e tem tantos escândalos. Se for pra ser assim, que fiquem com os videogames.