Moro condenou Vaccari sem provas, afirma TRF-4 ao absolvê-lo
A delação premiada se tornou tão popular que se perguntarmos para 10 pessoas na rua, 9 vão saber o que é. Mas esse instituto jurídico, que se transformou no principal instrumento de sustentação das acusações da Lava Jato, tem sido alvo de críticas de diversos especialistas por considerarem que o Ministério Público Federal e o próprio juiz Sérgio Moro dão uma vitaminada nas delações para transformar indícios em provas e, assim, condenar os acusados.
Publicado 28/06/2017 13:44
Nesta terça-feira (27), decisão da 8ª Turma do TRF4 (Tribunal Federal Regional da 4ª Região) reverteu a decisão de Moro e absolveu, por 2 votos a 1, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto em processo da Operação Lava Jato, por falta de elementos suficientes para a condenação, pois se basearam apenas nas delações premiadas e não em provas.
Nas redes sociais o debate acalorado sobre a questão continua a polarizar as opiniões. Insuflados pelo discurso punitivista e de falso combate à corrupção feito pela mídia e de parte dos procuradores própria da Lava Jato, alguns ainda defendem a condenação sem provas. Mas há quem se manifeste de forma a buscar o respeito ao Estado democrático de direito.
“O TRF reformou a sentença do juiz Moro que havia condenado o tesoureiro Vaccari. Muita mídia e pouca técnica. Qualquer bacharel sabe que delação sem lastro em provas nos autos e nada é a mesma coisa. Pior é que o leigo fica bravo com o tribunal que cumpre a lei. Juiz deve falar só nos autos e estudar muito. Quem gosta de palanque é político. Quem gosta de mídia é artista, não magistrado”, afirmou o advogado e professor de direito Fábio Guedes.
Em outro post ele exemplifica: “Eu faço uma delação premiada acusando Mélvio de pedofilia. Digo que ele me contratou para aliciar crianças. Nenhuma outra prova é encontrada durante o inquérito ou ação penal. Não há relato de uma só criança, dos pais, fotos, vídeos ou sinal de fumaça, mesmo assim o juiz condena Mélvio com base exclusivamente na delação premiada. Isso é Justiça?”
O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, comentou a decisão, afirmando que o tribunal se posicionou como determina a lei. “Todos sabem, ou deveriam saber, que delação não pode ser usada como prova, serve para iniciar a investigação. O delator, em regra, mente, omite, protege e o pior se o delator for pego mentindo, terá direito ao recall, que é a oportunidade de ‘consertar’ o que mentiu, o que omitiu, sem perder os benefícios”, diz Kakay.
Segundo o advogado, o recall é o maior incentivo à corrupção da história. “O juiz Moro alegou que vários delatores falaram de Vaccari. Ou seja, irresponsavelmente, o que foi usado para condenar é uma delação que sustenta outra delação!!! Há tempos criticamos o uso indiscriminado da prisão preventiva”, diz Kakay.
O criminalista avaliou também que a Operação Lava Jato provocou uma violação sistêmica do Estado democrático de direito, em que a prisão virou regra.
“Fruto deste momento punitivo e opressivo que passamos. Sou de um tempo em as pessoas iam para rua pedir liberdade, hoje os jovens vão para pedir prisão. Que sociedade sairá destes excessos? Todos nós queremos o combate a corrupção, mas dentro do respeito as garantias constitucionais. O que se pergunta agora é se a prisão preventiva de Vaccari era necessária. E, principalmente, quem devolverá a ele os 2 anos e 2 meses que ficou preso?! A enorme e humilhante exposição midiática , promovida pela Procuradoria e pelo juiz como parte de um programa de consolidar a Lava Jato, também fez danos irreversíveis à imagem, à família e aos amigos de Vaccari. Nada poderá devolver ao Vaccari a honra conspurcada. A sociedade que com razão esta cansada, esgotada de tanta corrupção, começa a se sentir assustada com tantos excessos, com tantos falsos heróis, com tantos abusos. É hora de reflexão e de reagir a estes absurdos”, lembrou.
A decisão
Votaram pela absolvição os desembargadores Leandro Paulsen (revisor) e Victor Laus, sendo vencido o relator, João Pedro Gebran Neto.
Preso preventivamente desde abril de 2015, ou seja, há dois anos, por decisão de Moro, Vaccari foi condenado pelo juiz a nada menos que 15 anos e 4 meses de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa, baseando única e simplesmente na afirmação de delatores, réus confessos em processos, que tiveram suas penas reduzidas por conta do benefício da delação.
De acordo com o juiz revisor da apelação, o desembargador Leandro Paulsen, que abriu divergência ao votar pela absolvição de Vaccari, a sentença condenatória se baseou apenas nas declarações de colaboradores, sem apresentar nenhum elemento que corroborasse as delações.
Em nota, o advogado de Vaccari, Luiz Flávio D’Urso, disse que “a Justiça foi realizada”, já que a acusação e a sentença de Moro teriam se baseado “exclusivamente em palavra de delator, sem que houvesse nos autos qualquer prova que pudesse corroborar tal delação”.
A presidenta do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), disse em nota que a decisão judicial “mostra o cuidado que deveria ser tomado pelas autoridades antes de aceitar delações premiadas que não são acompanhadas de provas”.
Para a senadora, “a decisão de segunda instância também chama a atenção quanto ao uso abusivo de prisões preventivas, que submetem, injustamente, pessoas a privação de liberdade”.
“O PT expressa mais uma vez sua solidariedade a João Vaccari Neto e sua família. Temos certeza que a verdade prevalecerá no final desse processo”, afirmou a senadora.
Moro deve emitir ainda esta semana a decisão sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no caso que trata do tríplex que o MPF diz ser do ex-presidente. Em recente entrevista, Lula afirmou: “Já provei a minha inocência, agora eles provem a minha culpa”.