Caminhos da esquerda e construção da alternativa.
Momento de crise como o atual por que passam a Nação e as forças de esquerda, que recém sofreram importante derrota com a deposição de Dilma, faz se tornarem férteis as tentativas de interpretação de caminhos para sua superação.
Ronaldo Carmona* e Walter Sorrentino**
Publicado 11/07/2017 18:01
Atualmente, tendo em vista que o governo golpista naufraga a olhos nu, são várias as alternativas que buscam se viabilizar, seja pela esquerda, seja, a partir desta, por forças mais amplas, dialogando com os setores de centro e as forças produtivas. É nesse contexto que cabe aqui comentar dois artigos de Ion de Andrade, publicados no jornal GGN e replicados pelo Portal Vermelho.
O primeiro foi publicado no último domingo:
1) O articulista credita a ampla utilização da margem de manobra tática do PCdoB a uma “heterodoxia pela sobrevivência”, algo que o PT, pelo papel que cumpriu no recente ciclo e por sua perspectiva de poder, não poderia fazê-lo.
De fato, o PCdoB considera que, na tarefa hercúlea de reconstruir a Nação, que se apresenta com absoluta centralidade na quadra atual, não cabe e nem é possível que esta seja protagonizada apenas pelas forças de esquerda. Ao contrário, a reversão do atual estado de coisas exige a constituição de uma nova e ampla maioria nacional, política, econômica e social, numa aliança trabalho-produção, tendo como norte a questão do desenvolvimento nacional soberano e, por alvo principal os interesses rentistas do sistema financeiro nacional e internacional.
Os comunistas buscam viabilizar tal caminho quer nas eleições de 2018, quer em condições que se estabeleçam antes do pleito presidencial regular. No momento, ao tempo em que ergue alto a bandeira das diretas já, busca caminhos diversos para barrar as reformas neoliberais e interromper o curso da desconstrução da Nação.
O PT, por sua vez, recém realizou seu 6º Congresso, após violenta campanha de desgaste promovida contra ele por setores da elites. Combinados com suas próprias insuficiências e erros na condução do processo que liderou, encontra-se nitidamente em processo de reagrupamento em torno da batalha de 2018; este é seu horizonte mais visível, a começar na luta pela garantia do direito do presidente Lula a se recandidatar – luta para a qual conta com a solidariedade do PCdoB.
Ambos partidos de esquerda poderão, num horizonte próximo, convergir no soerguimento de renovada alternativa que busque viabilizar a reconstrução nacional em bases democráticas e de progresso social.
2) Para Ian, “o PCdoB enxergou em Maia a velha direita tradicional e laica, em contraposição a um ´Centrão´ potencialmente fascista e neopentecostal”.
Sem querer expressar uma posição formal do PCdoB – a qual cabe ao coletivo de sua direção -, a clivagem proposta pelo autor não corresponda à cisão principal que pode ser estabelecer no campo que está além da esquerda.
O fundamental aqui é observar as contradições que se pode observar entre setores das oligarquias regionais – mais ciosas, historicamente, da ideia e do sentido de Brasil – e mesmo setores produtivos, em relação à neo-oligarquia financeira, expressamente vinculada, ideológica e materialmente, a interesses estrangeiros e grande promotora do projeto neoliberal em curso, visceralmente contra o Brasil.
À esquerda, cabe compreender aquilo que recente pesquisa do Datafolha buscou identificar com um “ideário brasileiro” – isto é, as opiniões sobre grandes temas, econômicos, políticos e sociais, do conjunto das classes, segmentos e frações que compõem o povo brasileiro. Da pesquisa, depreende-se uma conclusão importante: o brasileiro é conservador em temas comportamentais e progressista quanto à compreensão do papel do Estado na promoção do bem estar comum e do desenvolvimento nacional. É um fato que, no âmbito da atual reformulação da alternativa, a esquerda absolutamente não pode ignorar, se o objetivo for voltar a comandar os destinos do Brasil.
3) Pergunta o Autor se o “manifesto nacionalista” proposto por Aldo Rebelo (3) “poderia exprimir uma chance real de enfraquecimento do entreguismo” ou “se apenas fortaleceria o golpe dando-lhe renovada legitimidade”.
A proposição apresentada por Aldo Rebelo, ex-ministro de várias pastas com Lula e Dilma e ex-presidente da Câmara dos Deputados, afirma que somente a união de amplas forças políticas, econômicas e sociais, em torno de uma proposta de reconstrução e afirmação nacional, pode abrir caminho para a superação da crise atual. É uma conclamação à união nacional dirigida a “integrantes de qualquer partido, por nacionalistas, democratas, patriotas, esquerda, centro, patriotas” visando a recompor o projeto nacional. Assim deve ser lido. Busca, para usar as palavras de Ion, o “enfraquecimento do entreguismo”. Para o Autor e os que apoiam o Manifesto, sua consecução, longe de dar “legitimidade” ao golpe, pretende o inverso, unindo amplas forças para retomar o caminho da construção do projeto nacional.
Quanto ao segundo artigo de Ion de Andrade, cabe observar:
1) Recorrendo ao período do início do ciclo da redemocratização (1985), o analista sugere que o momento atual guardaria analogia com aquele período quando o PCB formulou proposta intitulada "Uma Alternativa Democrática para a Crise Brasileira". O PT, numa fase juvenil de sua existência, teria cumprido papel “marcadamente operacional”, pois “sem teorizar tanto” realizou “um papel histórico que o partidão não teve como protagonizar”. Sugere o autor que poderia ocorrer algo parecido atualmente.
O paralelo que talvez caiba aqui em relação à redemocratização é o da efervescência de ideias e alternativas em debate neste momento no âmbito de variadas forças políticas e sociais – todas, ainda que com diferentes sentidos, na busca por saídas por estancar a crise.
Certamente o produto desse debate de alternativas poderá – e deverá – ser encampado por forças que buscarão interromper o atual estado de coisas, seja em 2018, seja antes, na forma almejada, ou na forma que a solução da crise possibilitar.
2) Em seguida, Ion defende existir no debate de esquerda sobre a alternativa, uma “clivagem entre ‘institucionalistas’ e ‘basistas’”, pelo que recomenda que estas “duas elaborações” busquem “uma síntese, de uma plataforma onde a macro e a micropolítica venham a poder se realimentar e estabelecer as necessárias sinergias”.
Exceção a uma ou outra força mais sectária, as construções atuais de alternativa, no âmbito da esquerda, não apresentam essa clivagem proposta pelo autor. No geral, as articulações em curso, envolvem a dimensão política – representada sobretudo pelos Partido políticos -, mas também a dimensão social – movimentos sociais dos mais diversos – e mesmo indivíduos, patriotas, democratas e intelectuais de origens e saberes variados. Tampouco se dividem entre as “mais conjunturais” e as “mais estratégicas”, uma vez que as iniciativas que se apresentam, no geral, têm como norte e unidade a interrupção do programa ora em desenvolvimento pelo governo golpista.
A construção da alternativa está em pleno curso. Nesta sexta-feira, por exemplo, em São Paulo, as Fundações vinculadas ao PT (Perseu Abramo), PDT (Alberto Pasqualini-Leonel Brizola) e ao PCdoB (Mauricio Grabois) promovem importante reunião destinada a descortinar caminhos programáticos para a construção da alternativa.
Esse é o caminho que precisa ser aprofundado.