Por que estadunidenses gostam de grupo iraniano totalitarista?

O maior problema de políticos norte-americanos apoiarem o MEK é que o movimento tem toda a cara e todas as armadilhas de um culto totalitário

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O que um príncipe saudita, um ex-presidente republicano da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos e um ex-candidato democrata à vice-presidência do país estavam fazendo num subúrbio de Paris no último fim de semana?

Você ficaria surpreso em saber que o príncipe Turki Bin Faisal, Newt Gingrich e Joe Lieberman se reuniram para prestar apoio a um grupo de exilados iranianos que, de 1997 a 2012, foi categorizado pelo governo norte-americano como “organização terrorista estrangeira” ?

Há muito tempo certos “falcões”, como são conhecidos os políticos mais bélicos e conservadores do cenário norte-americano, se encantaram com o Mojahedin-e Khalq, conhecido como MEK. Tanto é que, em 2012, fizeram um lobby pesado para conseguir tirá-lo da lista de grupos terroristas, estabelecida pelo Departamento de Estado. Fundado no Irã nos anos 1960, o MEK – que significa “combatentes sagrados do povo” – já foi abertamente anti-norteamericano, semimarxista e semi-islamista : jurou derrubar a força o Xá que tinha o apoio dos Estados Unidos e estar disposto a atacar alvos norte-americanos. O MEK é ainda acusado de ter colaborado na tomada de reféns dentro da embaixada norte-americana em Teerã em 1979. O grupo chegou a condenar a libertação dos reféns, classificando-a de uma “rendição” aos Estados Unidos. Mas depois que os governantes clericais se voltaram contra o grupo no início dos anos 1980, os líderes do movimento fugiram do país e deram início a uma série de bombardeios por todo o Irã.

Hoje em dia, a organização é dirigida pelo casal Massoud e Maryam Rajavi, apesar do paradeiro de Massoud ser desconhecido, havendo inclusive boatos de que estaria morto. O grupo afirma ter renunciado à violência e se vende aos seus novos amigos norte-americanos como um movimento 100% secular e democrático de oposição ao governo iraniano. Mas o maior problema do MEK não é o passado de organização terrorista. Vários grupos violentos que já foram considerados “terroristas” conseguiram abandonar as armas e passaram a circular pelos corredores do poder – como o Exército Republicano Irlandês (IRA) e o Congresso Nacional Africano (ANC).

O problema também não é o MEK não ter nenhum apoio dentro da República Islâmica. E olha que o oposicionista Movimento Verde renegou o grupo, que já era abominado pela população iraniana por ter lutado ao lado de Saddam Hussein durante a guerra entre Irã e Iraque.

O maior problema de políticos norte-americanos apoiarem o MEK é que o movimento tem toda a cara e todas as armadilhas de um culto totalitário. E não sou só eu quem diz: um relatório do Departamento de Estado registrou, em 1994, que Massoud Rajavi “promovia um culto à sua personalidade” e que isso “afastava muitos expatriados iranianos, que diziam não querer substituir um governo contestável por outro”.

Você acha mesmo que só quem mora em países ditatoriais sofre lavagem cerebral? Em 2009, um relatório do think thank norte-americano RAND Corporation apontou que os integrantes do MEK tinham que “jurar devoção aos Rajavis com a mão sobre o Corão”. Destacou ainda que “as práticas autoritárias e cultuais” incluíam “divórcio e celibato obrigatórios” para os membros (com exceção do casal Rajavi, claro). “O amor aos Rajavis deveria substituir o amor ao cônjuge e à família”, detalha o relatório.

Você acha ruim a segregação de gênero dentro do Irã? No Camp Ashraf, no Iraque, espécie de quartel-general onde combatentes do MEK moraram até 2013, “pintavam-se linhas no chão dos corredores para separar os homens das mulheres”, ainda de acordo com o relatório do RAND. Até o posto de gasolina tinha “horários específicos para homens e para mulheres”.

Você pode até entender por que um príncipe saudita, o ex-prefeito de Nova York Rudy Giuliano e o ex-funcionário do governo Bush (e “super-falcão”) John Bolton, que estiveram todos no encontro em Paris, estão mais dispostos a apoiar um conjunto tão bizarro de fanáticos e ideólogos. Mas o que levaria um liberal democrata de Vermont como Howard Dean (que já sugeriu que Maryam Rajavi deveria ser reconhecida como presidente exilada do Irã) a se misturar com eles? O que teria levado gente como John Lewis, deputado da Geórgia e herói dos direitos civis, a defender publicamente o MEK em 2010?

Seria por conta daquele velho quiçá amoral provérbio: “o inimigo do meu inimigo é meu amigo”? Talvez. Seria o resultado da ignorância, da incapacidade de figuras experientes da política norte-americana de cumprir com seu dever de diligência? Quem sabe.

Ou seria só uma simples questão de grana? “Muitos desses antigos altos funcionários do governo, que representam todo o espectro político norte-americano, receberam dezenas de milhares de dólares para defender publicamente o MEK”, revela a ampla investigação feita pelo jornal Christian Science Monitor em 2011.

Em Washington, o dinheiro fala. Seja você um democrata como Dean ou um republicano como Bolton, um ex-chefe da CIA como Porter Gross ou um ex-chefe do FBI como Louis Freeh, o que importa é que o MEK costuma assinar uns cheques bem gordos.

Gingrinch, por exemplo, criticou duramente Barack Obama por “fazer reverência ao rei saudita” , mas foi filmado fazendo o mesmo em frente a Maryam Rajavi. Durante o fim de semana em Paris, o ex-presidente da Câmara dos Representantes chegou ao cúmulo de comparar Rajavi a George Washington em seu discurso.

E Giuliani, « o Prefeito da América » que se autointitula um falcão antiterrorista, mas que, desde 2010, não hesita na hora de receber alguns milhares de dólares para endossar um grupo que: assassinou seis estadunidenses no Irã em meados dos anos 1970; se aliou a Saddam Hussein para esmagar os curdos do Iraque no início dos 1990; aparentemente cooperou com a Al Qaeda na fabricação de bombas pouco tempo depois; e, finalmente, combateu tropas norte-americanas no Iraque em 2003.

Esse pessoal não tem vergonha? Para citar Suzanne Maloney, especialista em Irã do think thank Brookings e ex-consultora do Departamento de Estado, “Gingrinch/Giuliani/Bolton/Lieberman dão pouquíssimo valor à própria integridade, a ponto de se venderem ao culto do MEK”.

Enquanto isso, derrubar o regime iraniano voltou com tudo para a lista de prioridades da Washington de Donald Trump. O candidato que detonava as guerras de agressão de George W. Bush no Oriente Médio deu lugar ao presidente que nomeou os falcões anti-Irã James Mattis e Mike Pompeo para comandar, respectivamente, o Pentágono e a CIA. É o mesmo presidente que tem em Giuliani e Gingrich, os garotos-propaganda do MEK, seus principais conselheiros externos e que escolheu Elaine Chao, que recebeu 50 mil dólares dos Rajavis para pronunciar um discurso de 5 minutosem 2015, para trabalhar no gabinete presidencial.

Sejamos claros: o governo Trump, os sauditas e os israelenses (que, de acordo com uma investigação da NBC News, “financiaram, treinaram e armaram” o MEK no passado) estão bem dispostos a derrubar o regime clerical iraniano. O que mais querem é uma Guerra do Iraque Parte II. Para essa sequência, o MEK de Maryam Rajavi está querendo interpretar o papel do partido Congresso Nacional Iraquiano (INC), de Ahmed Chalabi: os 3 mil combatentes do grupo estão prontos para atuar como “ponta de lança”, segundo afirmou o ex-senador-democrata-agora-advogado-do-MEK Robert Torricelli no sábado passado.

É assim que a loucura se espalha. As elites da política, da inteligência, do Exército não aprenderam nada com a desventura mesopotâmica e com a desastrosa contribuição de exilados iraquianos como Chalabi? Bem, vamos dizer que 0s fanáticos doutrinados do MEK fazem o INC de Chalabi parecer a ANC de Mandela.

É difícil, no entanto, discordar do veredito de Elizabeth Rubin, do New York Times, que visitou o MEK no Camp Ashraf em 2003 e, depois, “conversou com homens e mulheres que conseguiram escapar das garras do grupo” e “tiveram que ser ‘reprogramados’”. Como Rubin advertiu em 2011, o MEK “não é só irrelevante para a causa dos ativistas democráticos no Irã, é um culto totalitário que vai voltar para nos aterrorizar”.