Alexandre da Maia: Agosto em Pindorama, o reino das paixões

Na próxima quarta-feira, no alvorecer do conhecido “mês do desgosto”, teremos a manifestação da Câmara dos Deputados sobre o pedido de autorização para que o STF processe e julgue o presidente Michel Temer pelo crime de corrupção passiva. Não podemos esperar nada dos parlamentares, a não ser a manutenção da escalada de ruptura com o Estado de Direito e a democracia no Brasil.

Por Alexandre da Maia*

aliados de temer comemoram rejeição de parecer na ccj

Eis que agosto chega com todo o seu peso no campo da política brasileira. Foi no dia 24 daquele mês do ano de 1954 que o então presidente Getúlio Vargas saiu da vida para entrar na história. Para não dizer que não falei de tempos recentes, o dia 31 de agosto de 2016 testemunhou a aprovação pelo Senado Federal do impedimento da presidenta legitimamente eleita, Dilma Rousseff, motivado sobretudo pelo fato de a mandatária do Brasil não “estancar a sangria” e permitir que a Operação Lava-Jato continuasse com as investigações.

Passado quase um ano daquele momento fatídico para a democracia brasileira, o canto de sereia do “grande acordo nacional – com Supremo, com tudo”, entoado pelo profeta Romero Jucá, continua a reverberar em nosso reino das paixões.

Em 2017 não poderia ser diferente. Na próxima quarta-feira, no alvorecer do conhecido “mês do desgosto”, teremos a manifestação da Câmara dos Deputados sobre o pedido de autorização para que o STF processe e julgue o presidente Michel Temer pelo crime de corrupção passiva. Trata-se da mesma casa legislativa que promoveu em abril de 2016 o circo de horrores capitaneado pelo “bastião da moralidade pública” (sic) chamado Eduardo Cunha, na autorização para a abertura do processo de impeachment contra Dilma.

No “pacote de abril de 2016”, a caixa de Pandora foi aberta, e ela continua escancarada até hoje. Portanto, não se anime: o arcabouço jurídico nesses casos – como vimos na decisão do TSE – serve apenas de colchão para que a decisão política prevaleça e fique deitada eternamente em berço esplêndido. E o cálculo político do momento envolve sobretudo a dinâmica econômica, que financia e orienta as decisões desse Congresso que aí está. Não podemos esperar nada dos parlamentares, a não ser a manutenção da escalada de ruptura com o Estado de Direito e a democracia no Brasil.

Tanto é assim que o jogo da compra de votos em troca de emendas – uma das formas de materializar o famoso “toma-lá-dá-cá” – continua de vento em popa nos corredores do poder em Brasília. Bilhões de reais gastos para que a “fidelidade política” seja mantida. Numa democracia minimamente decente, os apoios políticos devem ser construídos a partir de uma pauta programática sedimentada a partir das balizas constitucionais e da manifestação do povo nas urnas. O que se vê no caso brasileiro é uma “fidelidade” comprada com dinheiro público, ou seja, verba retirada do povo pobre e miserável que paga toda essa conta e recebe em troca a supressão de direitos em face dos desejos desse ente abstrato, quase sempre tratado com loas e reverências, chamado “mercado”.

Essa compra de votos deixa explícita a motivação do golpe civil-midiático-parlamentar, em que a queda de Dilma não foi um movimento “contra a corrupção”. Muito ao contrário: ela caiu para que a corrupção pudesse ser entronizada em todos os escalões dos altos poderes da República. Finalmente, temos o que os golpistas queriam: uma quadrilha governando o Brasil. Para tal finalidade, não podemos esquecer os ataques preconceituosos e misóginos que revelam o grau de machismo e sexismo do “país do futuro”.

Temer tem o que comemorar: é o mais impopular presidente desde a redemocratização do Brasil. Sua visão distorcida da realidade deve projetar nele a ideia de que em alguma coisa na vida ele é vencedor. Venceu até mesmo o “imortal” José Sarney, que ao final do seu governo teve que transferir seu domicílio eleitoral do Maranhão para o Amapá, a fim de sedimentar outro feudo capaz de manter o ex-presidente no poder, e foi eleito senador sucessivas vezes para representar o antigo território federal.

Além disso, comprou, ao que parece, os votos necessários à sua sobrevida no poder. Mas em um contexto em que as eleições de 2018 estão muito próximas e muito distantes, não é possível prever totalmente como essa “base parlamentar” irá se comportar quanto à apreciação do juízo de admissibilidade da denúncia proposta pelo Ministério Público Federal contra Temer. Como a votação é nominal e aberta, talvez os deputados federais pensem mais na defesa apaixonada da renovação de seus mandatos em 2018. Talvez. Temer foi aos parlamentares com a sedução de quem pode dar a eles algo maior do que seus desejos políticos: dinheiro, a paixão maior dos nossos representantes.

Para quem chegou ao poder com o discurso do “ajuste fiscal” e da “responsabilidade nos gastos”, fica claro que esse falatório frente à compra dos parlamentares parece ser hoje o que sempre foi: obra de ficção. No dia 2 de agosto, vamos ver as próximas cenas de algo que prometia aos incautos um belo “romance em cadeia”, mas que no máximo consegue se configurar como uma ópera-bufa tão bem ilustrada na tatuagem que o deputado Wladimir Costa (SD-PA) fez do nome de Temer no ombro, logo abaixo de uma bandeira do Brasil. Pagou R$ 1.200,00 divididos em 6x no cartão de crédito. Como ele mesmo disse, “cada um com suas paixões”.

*Alexandre da Maia é professor e coordenador do curso de graduação da Faculdade de Direito do Recife – UFPE e professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPE.