Scaramucci era um sintoma, Trump é o problema

Até para os parâmetros do atual governo, o caos que envolveu a Casa Branca nos últimos dias não tem precedentes. A troca na área de comunicação é bom, mas o problema maior permanece, opina Michael Knigge.

scaramucci

Talvez a meta secreta de Donald Trump seja estabelecer um novo recorde para os mandatos mais curtos e as saídas mais rápidas de funcionários da Casa Branca na história dos Estados Unidos. Se esse for o caso, então o governo está no caminho certo para cumprir a sua missão, com a demissão surpresa, na segunda-feira (31/07), do recém-nomeado diretor de comunicação Anthony Scaramucci.

Mas, na realidade, as remoções do porta-voz do presidente Trump, Sean Spicer, de seu chefe de gabinete, Reince Priebus, e de seu diretor de comunicação com apenas alguns dias de diferença são sérias demais para serem tratadas com deboche. Todas as saídas ocorreram sob circunstâncias de aparência tão "roteirizadas", que seriam rejeitadas como roteiro pela aclamada série televisiva de política The West Wing: Nos bastidores do poder (1999 – 2006).

Intriga vem sendo uma constante na Casa Branca desde que Trump assumiu, e deixou o centro do poder americano completamente sem rumo e caótico, num momento de numerosos desafios domésticos e internacionais.

Mas em vez de assumir o que normalmente seria o papel da Casa Branca – criando uma agenda política coerente para seu governo e estabelecendo um processo para trabalhar com os vários departamentos, agências e o Congresso – o gabinete de Trump vem se ocupando de rixas e traições.

E, ainda que a inexperiência política e profissional de muitos colaboradores-chave de Trump certamente tenha ajudado a criá-la, essa imperícia não é a principal razão para a incapacidade da Casa Branca de conseguir fazer a presidência de Trump evoluir.

O jornalista Michael Knigge acredita que a Casa Branca de Trump se preocupa com rixas e traições em vez de governar

Não nos iludamos: a principal razão pela qual esta Casa Branca se mostrou em grande medida disfuncional até agora é o próprio presidente. Isso porque Trump não apenas escolheu a dedo a maior parte de sua equipe – frequentemente contrariando os conselhos de observadores experientes –, mas também porque ele parece pensar que uma cultura de concorrência selvagem, que opõe indivíduos e facções no interior da Casa Branca, vai produzir um bom resultado. Não produz.

Tão problemática quanto a cultura que Trump ajudou a estabelecer como presidente na Casa Branca é a sua falta de habilidade para permitir ou mesmo reivindicar uma clara cadeia de comando que não o envolva a cada passo dado.

Scaramucci, que se comporta como o alter ego de Trump, não só previu a expulsão de seu rival, Priebus, como também se vangloriavau de responder diretamente a Trump – e não ao chefe de gabinete, como é o costume. O presidente se deleita com a habilidade de se meter em tudo e por não seguir um protocolo estabelecido.

Aliada à inclinação de Trump de causar problemas por meio do Twitter e à sua, digamos, maneira incomum de encarar os acontecimentos da atualidade, essa característica equivale a tornar a Casa Branca – e, por extensão, o seu governo – ingovernável.

O caso mais atual em questão aconteceu apenas horas antes da demissão de Scaramucci, quando Trump finalizou um tuíte com as palavras "No chaos in the White House" ("Não há caos na Casa Branca").

Essa frase suscita duas perguntas. O presidente realmente acredita naquilo que ele mesmo tuitou? Se sim, isso é um grande problema. E, em segundo lugar (e mais importante): o presidente Trump vai permitir que o novo chefe de gabinete, John Kelly, reine não somente sobre a equipe da Casa Branca, mas também sobre o próprio presidente?

Com base no que vimos até agora em seus seis primeiros meses de mandato, eu não apostaria nisso. E, enquanto é impossível prever quase tudo envolvendo seu governo, se esse esforço em estabelecer ordem na Casa Branca falhar novamente, ele poderia muito bem sinalizar que a presidência de Trump está realmente condenada.