O parlamentarismo castrador de Temer e do PSDB

A direita não se renova e repete velhos truques para manter a presidência da República sob controle.

Por José Carlos Ruy

Michel Temer - Foto: Marcos Corrêa/PR - Fotos Públicas

A mais recente proposta da direita é a reapresentação do velho e rejeitado parlamentarismo, que já foi derrotado em plebiscitos duas vezes – em 1963 e em 1993. E agora ressurge por iniciativa do usurpador da presidência da República, Michel Temer.

As regras políticas existem para estabelecer critérios ao exercício do poder na sociedade. Por isso despertam muita disputa.

Elas dizem respeito, numa ponta, às regras eleitorais que escolhem os representantes do povo e a composição do poder parlamentar. O debate a este respeito está recheado de temas sensíveis, como a permissão de coligações partidárias, a adoção de um modelo de voto (a direita prefere algum tipo de voto distrital – puro, ao estilo estadunidense ou misto, inspirado na legislação alemã), ou a imposição da cláusula de barreira para afastar do parlamento os partidos ligados aos interesses populares.

Na outra ponta, o esforço é para limitar, pela lei, o poder para que os eleitos realizem reformas que a classe dominante rejeita.

É nesse contexto que ressurge a proposta do parlamentarismo. Agora unindo as duas pontas do exercício institucional do poder: a pretensão de criar regras para influir na escolha dos representantes ao legislativo e também definir a extensão do poder do executivo.

O senador tucano José Serra (um colecionador de revezes em suas pretensões presidenciais) prontamente se apresentou para ser o relator de uma eventual emenda parlamentarista, juntou essas duas pontas e quer, com o parlamentarismo, impor também o voto distrital e restrições à liberdade partidária.

Foi em uma entrevista concedida logo depois da decisão da Câmara dos Deputados, que o livrou das graves acusações feitas pela Procuradoria Geral da República, que o usurpador Michel Temer se referiu a uma mudança no sistema de governo. Para ele, o parlamentarismo deveria entrar em vigor já em 2018.

A proposta caiu num canteiro conservador fertilizado pelas quatro derrotas eleitorais consecutivas nas eleições presidenciais desde 2002, e, mais que isso, frente à inexistência de um candidato da direita neoliberal que possa galvanizar minimamente o eleitorado para o pleito previsto para o ano que vem.

O parlamentarismo proposto por Temer e José Serra tem o indisfarçável caráter de “anti-Lula”, em virtude da dificuldade que a direita prevê para eleger o presidente em 2018, e planeja, por isso, esvaziar o poder daquele que foi o escolhido, seja quem for.

É o mesmo truque que os oligarcas da UDN (antepassados diretos dos tucanos de nosso tempo), junto com a direita militar impuseram ao país em 1961, tornando aceitável, para aquela turma do atraso antidemocrático, a posse de João Goulart na presidência da República após a renúncia de Jânio Quadros em 25 de agosto daquele ano.

A renúncia de Jânio provocou uma grave crise política. O vice-presidente, João Goulart, era visto pela direita como um temido herdeiro de Getúlio Vargas, que traria de volta ao governo o programa de reformas econômicas, patrióticas e democráticas que a direita havia derrotado em 1954, quando Vargas foi levado ao suicídio pela sórdida campanha movida contra ele.

Imediatamente após a renúncia de Jânio, os ministros militares vetaram a posse do vice-presidente legal, João Goulart. Mas a resistência aos golpistas foi grande, especialmente a partir do Rio Grande do Sul, ameaçando levar o país a uma guerra civil em defesa da democracia. Foi organizada a “rede da legalidade”; houve uma greve geral contra o golpe, e ele foi barrado. Mas a direita o substituiu pelo golpe branco do parlamentarismo imposto pelos chefes militares reacionários.

A emenda parlamentarista previa a realização de um plebiscito para julgar a nova forma de governo, exigência que ficou irrecusável após a greve geral em sua defesa convocada pela CGT em setembro de 1962 – este foi outro ganho democrático inaceitável para os conservadores: uma greve de trabalhadores para influir na política.

O plebiscito ocorreu em janeiro de 1963, e foi uma derrota acachapante para os conservadores: o presidencialismo venceu com 82% dos votos – 9,5 milhões de votos, contra 2,1 milhões dados ao parlamentarismo. Além de confirmar os poderes do presidente da República, o resultado significou também uma autêntica eleição de João Goulart, fortalecendo seu mandato.

Na Constituinte de 1988 houve um grande debate em torno da questão do sistema de governo. O objetivo era democratizar o exercício do poder executivo tendo, por isso, um caráter oposto ao daquela tentativa de trinta anos antes. Foi apoiada pelos democratas conseqüentes, que o defenderam o como forma de frear os poderes excessivos que fazem do presidente da República um monarca com prazo de validade.

A Constituição remeteu a solução desse debate para um novo plebiscito, a ser realizado quando a nova carta completasse cinco anos de vigência. Em abril de 1993 o povo brasileiro foi convocado outra vez para decidir sobre o sistema de governo. E confirmou a opção feita décadas antes: o presidencialismo venceu com 55,4% dos votos; o parlamentarismo teve menos que um quarto das preferências, e ficou com 24,6%.

Hoje, de novo, 24 anos após o plebiscito de 1993, o fantasma do parlamentarismo volta a assediar os brasileiros, repetindo a fórmula castradora de 1961. A proposta de Temer e do PSDB não é tem o caráter democrático desejado pelos constituintes de 1987-1998. Mas quer o sistema de governo da direita militar e dos conservadores de 1961, derrotado em 1963. Com o mesmo objetivo. Em 1961, era subtrair poderes a um João Goulart que, na presidência, poderia ameaçar os privilégios da classe dominante e do imperialismo.

Hoje, o objetivo é semelhante ao da direita em 1961 – colocar um freio no presidente a ser eleito em 2018. É mutilar os poderes daquele que for ungido pela vontade popular e, assim, esvaziar a eleição direta do presidente. O voto popular escolherá um chefe de Estado mutilado, reduzido a funções simbólicas; e caberá ao Congresso, dominado pelos conservadores, a escolha do chefe do governo. Com poderes reais sobre a administração.