Nova taxa do BNDES é agenda alienígena, diz associação de funcionários
O presidente da AFBNDES (Associação de Funcionários do Banco Nacional do Desenvolvimento), Thiago Mitidieri, afirma que a TLP (Taxa de Longo Prazo) atende a interesses do mercado financeiro e representa uma agenda “alienígena” para a instituição.
Por Camila Racanicci, do Poder 360
Publicado 15/08/2017 11:06
Mitidieri argumenta que faltam análises sobre os efeitos macroeconômicos da nova taxa, que, segundo ele, inviabilizaria o papel do BNDES como banco de desenvolvimento. Além disso, diz que o corpo técnico do banco não participou da elaboração da proposta.
A MP 777 reformula a política de juros do BNDES, ao substituir a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) pela TLP. O Tesouro Nacional subsidia a taxa atual, hoje em 7% ao ano, com recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). A nova taxa será baseada em um título do Tesouro, a NTN-B, o que elimina o subsídio. A adaptação seria gradual, ao longo de 5 anos.
O relator da medida no Congresso, deputado Betinho Gomes (PSDB-PE), tentará votar o texto em comissão especial ainda essa semana. O relatório é favorável à TLP.
A leitura do relatório está marcada para quarta-feira(16). A votação está prevista para a próxima semana. A MP perde a validade em 7 de setembro.
Mitidieri conversou com o Poder360 sobre a taxa Selic e a competitividade da indústria:
Poder 360: Em julho, o presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, fez declarações contrárias à TLP. Em seguida, dois diretores do banco pediram demissão. Semanas mais tarde, Castro assinou uma nota conjunta em apoio à nova taxa. A associação de funcionários é contrária à TLP. Pode-se dizer que o banco está rachado?
Thiago Mitidiari: Houve um debate sobre a TLP em março desse ano entre a associação de funcionários e a diretoria do banco. O Vinícius Carrasco (ex-diretor de Planejamento do BNDES), que foi o mentor intelectual da TLP, não participou. Mas na verdade os argumentos que apresentamos não foram reconhecidos como relevantes, não houve mudanças na proposta em função do debate. Então entendemos que foi muito mais uma coisa formal do que algo com consequências. O Ministério da Fazenda, o Banco Central e o mercado financeiro estão impondo ao BNDES uma agenda que é alienígena para o banco.
Uma nota técnica do Ministério da Fazenda afirma que, em 10 anos, o governo gastou R$ 285 bilhões em subsídios da TJLP. A maior parte desse valor (84%) não foi computada na despesa primária. Ou seja, aumentou a dívida pública sem ficar visível no Orçamento.
O argumento da Fazenda é enviesado. Porque você não considera que o uso do subsídio também tem benefícios. Eles não estão sendo apresentados na discussão para comparar com os custos. Também não há estudos e análises de consequências da TLP para a economia real. Como vão ficar os investimentos, a competitividade da indústria e a atuação do BNDES como 1 banco de desenvolvimento? Realmente não entendemos como essa medida vai contribuir para o país. A securitização da dívida é outra coisa que também não foi estudada. Não se sabe se a operação vai trazer prejuízo para o BNDES. Nem em que circunstâncias seria possível securitizar a dívida. Seria a todo momento? Não se sabe. Se a gente ainda tem indústria no Brasil, se ainda tem alguns investimentos em infraestrutura, que são totalmente insuficientes para as necessidades do país, agradeça ao BNDES e à TJLP. Porque, se não fosse isso, não teríamos nada.
O Banco Central argumenta que a TLP vai potencializar a política monetária e ajudar a baixar os juros.
A taxa Selic é praticada há 20 anos em um nível muito elevado para controlar a inflação. A TJLP foi criada exatamente como uma forma de compensar isso, pois uma taxa alta inviabiliza investimentos em infraestrutura, na indústria, o apoio à exportação. E, considerando taxas internacionais, a TJLP já é alta. Então essa discussão tem que ser feita: por que a política monetária brasileira é dessa forma? Por que os juros no Brasil são tão altos? Será que o BNDES é mesmo o responsável por isso?
A quem interessa a TLP?
Essa MP não está preocupada com o papel do BNDES como banco de desenvolvimento. Quando você olha para os articulistas defendendo a TLP, observa que todos são originários do mercado financeiro. Em geral são economistas-chefes de bancos, pessoal da academia mas ligado ao mercado… Você vê uma separação nítida entre interesses do setor produtivo e do financeiro. Os do setor produtivo são todos contrários, você não vê um falando a favor da TLP. Outra questão é que o mercado financeiro está interessado em vender produtos (como derivativos, hedge…). E o BNDES ocupa um espaço no Sistema Financeiro. Inviabilizar o BNDES também é abrir espaço para que o mercado de capitais possa atuar. Mas sabemos que o problema para o mercado de capitais brasileiro não se desenvolver não é o BNDES, é a Selic.
Com a nova taxa, a indústria brasileira perderia competitividade?
Bem de capital não é algo que se vende à vista, se vende a prazo. Então se você encarece o financiamento do BNDES para comprar da indústria brasileira, você faz com que o produto do seu concorrente estrangeiro fique mais competitivo aqui dentro. O cliente vai comparar o financiamento mais caro do BNDES com quanto custaria para comprar o mesmo produto só que importado. Mesmo com impostos de importação, o custo de internacionalização vai ficar mais barato. Seria mais vantajoso comprar do concorrente estrangeiro.