Porque a TLP é um retrocesso

Antonio Corrêa de Lacerda, “personalidade econômica do ano” de 2016, explica o impacto da Medida Provisória 777 para o Brasil. A MP está em apreciação no Senado Federal e pretende alterar o mecanismo de crédito ao setor privado.

BNDES

O governo federal por meio da Medida Provisória (MP) 777, já aprovada na Câmara e em apreciação no Senado Federal, decidiu criar a Taxa de Longo Prazo (TLP) referenciada à taxa das Notas do Tesouro Nacional (NTN-Bs), nos financiamentos concedidos à iniciativa privada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em substituição à atual Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). A medida alterará substancialmente o mecanismo de crédito ao setor privado, na prática, significando um retrocesso.

Garantir crédito e financiamento às empresas e consumidores a taxas de juros compatíveis com a rentabilidade da atividade produtiva e capacidade de pagamento dos tomadores é uma condição fundamental para a retomada do crescimento. No âmbito empresarial, diante da ausência de crédito de longo prazo privado no Brasil, o BNDES sempre exerceu um papel preponderante para isso.

Embora seja saudável corrigir distorções e estimular instrumentos de mercado visando reduzir a dependência dos recursos públicos, é preciso fazê-lo com cuidado, diante da inexistência de um mercado privado que ofereça recursos compatíveis com a rentabilidade dos projetos. Sem financiamento compatível haverá o travamento dos investimentos planejados.

Atualmente o diferencial entre a TJLP e a taxa de juros básica (Selic) é relevante. Em 2016, por exemplo, enquanto durante grande parte do ano, a Selic, hoje em 9,25%, se situava em 14,0%, a TJLP era de 7,5%. A ideia implícita é viabilizar os investimentos tanto para projetos de infraestrutura como das empresas, uma vez que a Selic, ou a taxa de juros de mercado se distanciam da rentabilidade esperada dos projetos.

Um dos argumentos dos que defendem a alteração do critério é o de que essa prática implica uma espécie de subsídio. De fato, do ponto de vista fiscal stricto sensu e de curto prazo, o diferencial entre Selic e TJLP significa um subsídio, principalmente se considerarmos as taxas praticadas atualmente. No entanto, considerando que o financiamento de projetos é de longo prazo e implica o efeito multiplicador dos investimentos realizados e o seu potencial arrecadador tributário, o alegado “subsídio” não se sustenta.

Já sob o ponto de vista da competitividade, a TJLP não representa qualquer subsídio, simplesmente porque nossos concorrentes internacionais gozam de financiamentos a taxas de juros menores do que ela. Ou seja, a Selic é que precisa se aproximar da TJLP e não o contrário, mesmo porque não há projetos, ou atividades que ofereçam taxas de retorno semelhantes à taxa Selic, ou menos ainda às disponíveis para financiamento no mercado.

O diferencial apresentado tem sido determinante para o papel que o financiamento público tem para o desenvolvimento brasileiro nos 65 anos de existência do BNDES. Os desembolsos do banco, que durante anos apresentaram contínuo crescimento, passaram a cair e tiveram expressiva redução de 35%, para R$ 88,3 bi em 2016, comparativamente ao ano anterior. A recessão fez com que o total de investimentos realizados na economia, formação bruta de capital fixo, caísse para apenas 14,2% do Produto Interno Bruto (PIB), sendo que a participação do banco no financiamento foi reduzida de 2,6% do PIB, em 2013, para 1,1% em 2016. É preciso viabilizar uma nova fase de crescimento econômico, para a qual o financiamento é fundamental.

O fato é que o papel representado pelo financiamento dos bancos públicos no Brasil é insubstituível no curto prazo. Dadas as condições desfavoráveis oferecidas pelo mercado privado, escassez de recursos, exigência de contrapartidas e elevadas taxas de juros praticadas, ele não representa uma alternativa viável para suprir as necessidades de financiamento de longo prazo para os setores produtivos e a infraestrutura. Daí ser imprescindível preservar o financiamento público nos moldes que funciona a TJLP.

*Antonio Corrêa de Lacerda é economista, professor-doutor e diretor da FEA PUC-SP, ganhador do prêmio de “Personalidade Econômica do Ano” de 2016, outorgado pelo Conselho Federal de Economia.