Publicado 07/09/2017 13:45
Importantes acontecimentos na cena internacional tem apontado que a globalização neoliberal pode estar em xeque.
Com efeito, desde 1989 e o fim da Guerra Fria, os defensores do (neo)liberalismo celebravam a vitória do livre-mercado sobre a centralidade do Estado no planejamento econômico – seja o planejamento socialista da URSS; aquele capitalista dos Estados de bem-estar social ou, ainda, do desenvolvimentismo latino-americano.
Dizia-se então que o mundo era uma "aldeia global" livre de fronteiras, de barreiras e desprotecionismos. Na era da informação a criação de redes e a comunicação entre os povos deixaria tudo mais conectado, trazendo uma nova concepção de sociedade em um mundo comum. Seria o fim dos nacionalismos e, sobretudo, o fim da luta de classes – donde se poderia vislumbrar até mesmo "o fim da história".
Transformações exigem política externa ativa: a nova Rota da Seda
Passados menos de 30 anos, a decisão de Grã-Bretanha de sair da União Europeia e a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos no ano passado seriam uma demonstração de que entramos em um momento de guinada na política internacional?
Nacionalismo, xenofobia e protecionismo voltaram a ser mobilizados nas arenas política e econômica. O que explica tamanha guinada?
Estará emergindo uma nova ordem internacional, de um tom conservador extremo? A globalização está de fato em xeque?
Esses são alguns dos questionamentos que estão no contexto de fundo da realização da III Semana de Relações Internacionais da UFABC-UNIFESP, que acontecerá nos dias 3, 4 e 5 de outubro em São Bernardo do Campo. Neste ano a Semana terá a honra de receber o prof. Vijay Prashad (Trinity College, EUA) e a profa. Dzodzi Tsikata (Ghana University, Gana) além de professoras eprofessores especialistas nesses temas atuando no Brasil.
Quase uma década depois da gravíssima crise financeira de 2008 – causada entre outros fatores pelos empréstimos predatórios para famílias com hipotecas imobiliárias sabidamente subprime e pela especulação financeira altamente alavancada em derivativos lastreados nestas mesmas hipotecas tóxicas – as finanças continuam no centro da dinâmica e dos problemas do sistema capitalista.
O neoliberalismo passa por duas crises: a econômico-financeira, e a político-social, que decorre da primeira e tem resultado na emergência radicalizada de novos nacionalismos, sendo vários de viés autoritário. O casamento entre a democracia representativa, limitada pela competição eleitoral, e o neoliberalismo parece ter se esgotado (Saad, 2016).
Com o abandono da defesa do emprego, o aumento da flexibilização e da precarização, fizeram com que a classe trabalhadora que sofreu com os efeitos do neoliberalismo e da internacionalização produtiva das corporações (The Economist, 2017), tenha se tornado a base do novo nacionalismo nos Estados Unidos e na Europa.
O tradicional discurso neoliberal de elogio ao empreendedorismo individual na era da globalização cedeu espaço à narrativa defensiva, xenófoba e autoritária.
Estamos, na verdade, em um momento de uma contra-ofensiva neoliberal, em que as políticas dos governos sequer questionam o papel do capital financeiro, as consequências da internacionalização produtiva e os impactos sociais da privatização dos bens e serviços públicos.
Ao contrário, tais políticas implicam a redução dos custos do capital, através do desmonte das políticas sociais rumo a um "Estado mínimo" e da retirada dos direitos trabalhistas em nome de um ganho de competitividade "do país".
Enquanto processo histórico, se pode observar ao menos três fases no neoliberalismo, que se apresentam de forma heterogênea segundo cada localidade geográfica (Harvey, 2008) e se complementam na produção do momento atual.
A primeira fase, entre 1970 e 1990, representa o período de implantação ideológica e deforte ofensiva contra os trabalhadores organizados. A segunda fase, dos anos 1990 até 2008, é aquela na qual as terceiras vias ou os extremos centros (Ali, 2015) — Partido Trabalhista na Inglatera com Tony Blair e Partido Democrata nos Estados Unidos com Bill Clinton — acabaram exercendo um papel importante, assumindo governos e aplicando políticas contraditórias para a sua tradição político partidária e para a sua base social.
E a terceira, de 2008 até o momento atual, em que há uma contra-ofensiva, pautada na tentativa de garantir acordos plurilaterais de livre-comércio por fora do multilateralismo da Organização Mundial do Comércio (OMC); nas ofertas de privatização dos ativos e serviços públicos; nos acordos de garantia da propriedade intelectual e dos investimentos externos, trazendo um impacto negativo sobre as soberanias nacionais e sobre os direitos sociais, trabalhistas e ambientais.
Essa dupla crise do neoliberalismo tem relação também com o surgimento recente denovos pólos de poder que apresentam maiores desafios para a manutenção da hegemonia dos Estados Unidos.
A ascensão da China, o reposicionamento da Rússia e o fortalecimento de potências regionais como Índia e Turquia abrem possibilidades para um novo equilíbrio de poder internacional, agora mais instável e conflituoso do que no momento da hegemonia unipolar dos Estados Unidos entre 1990 e o início dos anos 2000.
O novo papel do Estado chinês na política internacional está ligado ao seu forte crescimento econômico nas últimas décadas, que gradualmente vai se traduzindo em poder político no sistema financeiro internacional.
A China soube tirar proveito da globalização comercial combinando uma política que visa o alcance de um patamar elevado de ciência, tecnologia e educação, com elevados investimentos externos em infra-estrutura, por exemplo através da Belt and Road Initiative (BRI) e do Asian Infrastructure Investment Bank (AIIB), além de canalizar investimentos através dos seus cinco bancos nacionais de desenvolvimento (Cintra et alli, 2013).
Soma-se a isso que o Estado chinês têm buscado investir mais na sua capacidade militar, especialmente nas forças navais, o que está ligado ao conflito crescente por recursos naturais e pelo controle estratégico dos mares do sul e do leste da China.
As relações entre Estados Unidos e China são comumente consideradas como "siamesas", pois pautadas pela complementariedade, pela dependência e por conflitos que vinculam profundamente os dois países (Pinto, 2011).
Não bastasse o dado de a China ser a principal detentora dos títulos do Tesouro americano, desde 2008 tem havido um aumento das trocas comerciais, os investimentos externos diretos são muito altos e pautados na construção de joint ventures e de cadeias produtivas, sobretudo regionais no sudeste asiático. Isto tudo faz com que um conflito direto entre esses dois Estados não seja uma opção fácil e nem próxima.
Por isso, é difícil ainda dizer qual será a nova dinâmica da política internacional no futuro próximo.
*Tatiana Berringer e Diego Azzi são integrantes do Grupo de Reflexão sobre RelaçõesInternacionais/ GR-RI e professores do Bacharelado em Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC). Contato: [email protected]; [email protected]