Sandra Helena de Souza: A política como guerra

"Em seu discurso em Quixadá e em várias outras ocasiões, Lula usa o termo 'Eles' para se referir ao que chama de seus 'adversários'. Com a cautela da raposa e a força do leão, insiste em mover-se simbolicamente no registro da política como esfera da conciliação. Seu faro o fez ir ao povo alimentar-se de sua paixão genuína em seu elemento próprio, assumindo um oportuno populismo, ainda que com tanto atraso”.

Por *Sandra Helena de Souza

Lula no Ceará - Ricardo Stuckert

Quantas capas e manchetões com enormes fotos de Lula acompanhado de multidões exultantes sob o sol inclemente do Nordeste profundo você, prezado leitor dos velhos jornalões do País, chegou a ver nos dias da Caravana? Pesquise. Ora, direis que um ex-presidente aclamado como nenhum anterior a ele dentro e fora do País – que ajudou a tirar do mapa da fome em pleno século XXI – por isso mesmo perseguido de modo implacável, condenado, quase impedido de candidatar-se e na iminência de ser preso, ainda assim ostentando preferência significativa em todas as pesquisas de intenção de voto, estimuladas e espontâneas, em todas as regiões, você poderá dizer que não é tão relevante assim o ocorrido nos 20 dias do périplo. Você, afinal, é apenas o público cheio de opiniões publicadas. Mas e os editores?

Capeiros das grandes empresas de comunicação parecem ter um grupo privado de WhatsApp para coordenarem o, digamos assim, espírito do timing jornalístico. Ou é isso ou é sintonia sobrenatural que explica, de um lado a ausência de registros de destaque do ex-presidente em situação nitidamente favorável e, de outro, as espantosas imagens das capas do dia seguinte ao fim da caravana, tendo o jornal O Globo atualizado todas as definições de má-fé, colocando lado a lado a denúncia de Lula e Dilma pela PGR – por aqui foram fotos – e as malas de Geddel, deixando aos milhões de trabalhadores apressados diante das bancas e no desconforto dos transportes coletivos o dificílimo trabalho de separar uma coisa da outra.

“Lamentável que a palavra de um réu delator sirva para levantar suspeitas sobre a integridade de alguém”. Isso foi curiosamente dito pelo juiz que arrancou a confissão de um Pallocci em frangalhos, depois de ele próprio ser citado por um doleiro. Agora que também pairam suspeitas sobre a integridade do casal Moro no que diz respeito aos acordos de delação – você já ouviu falar desse “escândalo”? – voltam-se os membros do consórcio que tomou o País de assalto a mirarem aquele que a todos une: Lula. Finalmente a Caravana mostra seus efeitos de bomba semiótica ao avesso.

É preciso levar a sério o adágio segundo o qual “a política é a guerra por outros meios”. Um conflito é político no sentido schmittiano quando atinge o limiar da diferenciação amigo/inimigo e está no horizonte a ameaça de sobrevivência de um frente à existência de outro. Em seu discurso em Quixadá e em várias outras ocasiões, Lula usa o termo “Eles” para se referir ao que chama de seus “adversários”. Com a cautela da raposa e a força do leão, insiste em mover-se simbolicamente no registro da política como esfera da conciliação. Seu faro o fez ir ao povo alimentar-se de sua paixão genuína em seu elemento próprio, assumindo um oportuno populismo, ainda que com tanto atraso. Decerto não ignora que é o inimigo declarado d’Eles, mas resiste tolamente a nomeá-los com ênfase, enquanto assistimos ao processo bem urdido de extermínio do que ele, Dilma e o PT representam na sociedade brasileira, deixando claro que sua mera existência ameaça a sobrevivência de seus inimigos, à direita e à esquerda.

Lula nunca se pintou para a guerra. De nada adiantou. Seus inimigos o querem morto enquanto os adversários observam. Você dorme distraído, enojado com a política. Os capeiros e seus patrões, ao contrário, tomam partido e não descansam. Fica a dica.

*Sandra Helena de Souza é professora de Filosofia da Unifor; membro do Instituto Latino Americano de Estudos em Direito, Política e Democracia.

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