Investidor gringo que Temer corteja quer ataque maior à CLT

A liquidação do Brasil anunciada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em Nova York, não foi suficiente para satisfazer investidores norte-americanos. Nem a reforma trabalhista que aniquilou direitos conquistados ao longo de décadas bastou para agradar os capitalistas estadunidenses. Para quem olha o país como colônia a ser explorada, rasgar a CLT é pouco. “Então quer dizer que ainda não vamos poder reduzir salários? ”, questionou, frustrado, um empresário gringo.

Por Joana Rozowykwiat

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De acordo com matéria publicada nesta terça (03), pela Folha de S.Paulo, os investidores saíram desanimados de um encontro na Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, em Nova York, na semana passada. Para eles, o Brasil não é capitalista o suficiente. Suas expectativas eram poder terceirizar funcionários da forma como quisessem, reduzir salários e driblar processos trabalhistas, diz a reportagem.

Muitos dos empresários presentes esperavam ter liberdade para demitir e recontratar os mesmos funcionários sem carteira assinada, barateando, assim, o custo da mão de obra verde-amarela. Não gostaram de saber, portanto, que a nova lei estabelece prazo de um ano e meio para essa recontratação.

A reforma trabalhista de Temer, contudo, abriu uma brecha perversa para os trabalhadores, que é vista com bons olhos pelos norte-americanos: a possibilidade de negociar contratações e demissões direto com o trabalhador, em acordos que prevalecem sobre a legislação. "Estamos a um dedinho de ter um contrato mais flexível", disse Isabel Bueno, sócia da Mattos Filho, escritório de advocacia que organizou o encontro nos Estados Unidos.

A reunião na Câmara de Comércio aconteceu pouco depois de uma comitiva do governo brasileiro ter ido a terras norte-americanas, fazer propaganda do pacote de privatizações de Temer, em busca de investimentos estrangeiros.

Na ocasião, Meirelles divulgou a oferta, como um locutor das Casas Bahia: “É o momento em que a economia está começando a crescer, mas os preços não refletem ainda a recuperação. É precisamente o melhor momento para se investir no Brasil.” De acordo com o Valor Econômico, ao ser questionado se o país estaria pela metade do preço, o ministro respondeu afirmativamente: “absolutamente”.

Para o economista Paulo Kliass, as declarações dos norte-americanos, contidas na metéria da Folha, são um “espelho” das intenções da missão brasileira que foi ao exterior vender o país.“O governo estava interessado em fazer uma oferta generalizada de benesses, do tipo ‘venham para o Brasil que aqui é o paraíso do financismo’. Oferecer concessões e privatizações, todo tipo de alternativa, e fazer com que as condições para a entrada do capital internacional aqui sejam as melhores possíveis”, disse.

De acordo com ele, isso significa ofertar “condições super favoráveis” nos editais, com taxas de rentabilidade muito altas, inexistência de contrapartidas, “contratos cuja preocupação maior é favorecer quem vai pegar a concessão ou comprar a empresa, sem nenhuma preocupação com a economia e a sociedade brasileiras”.

“Porque a única preocupação deles é fazer caixa para resolver questões fiscais e, particularmente para a equipe econômica, ficar bem na foto com que quem eles consideram mais importante, que é a nata do financismo em Nova York”, criticou. Ocorre que, nem fornecendo todas as vantagens possíveis, o governo conseguiu satisfazer o apetite dos norte-americanos. “Seria irônico se não fosse trágico”, disse Kliass

“Muito provavelmente, a eles foi vendida uma narrativa de que a coisa estava ainda mais fácil, que o custo Brasil seria ainda mais baixo. E isso tudo depois que o governo conseguiu aprovar o início do desmonte da CLT, com aberrações contra grávidas e lactantes, promovendo terceirização ilimitada e fazendo terra arrasada do mínimo de direitos que havia, com essa tese de que o acordado se sobrepõe ao legislado. Mas nem assim os caras se deram por satisfeitos e estão pedindo mais”, apontou.

Segundo o economista, as repercussões do encontro em Nova York devem servir de alerta para a sociedade e, em especial, o movimento sindical de que “o conjunto das maldades” contra o trabalhador pode não ter se esgotado. “A gente tem por tarefa continuar preparado uma reação organizada, para evitar que essas e outras atitudes de entrega liquidacionista da nossa economia não sejam realizadas”.

País rico e desigual, com pouca proteção aos trabalhadores

Durantes as discussões da reforma trabalhista, muitos foram os governistas que fizeram referência à legislação norte-americana, como se ela fosse um modelo a ser seguido. Ocorre a maior potência econômica do mundo não é sinônimo de proteção ao trabalhador.

A própria Folha de S.Paulo, traz um infográfico, mostrando que, por lá, por exemplo, o trabalhador pode ser demitido sem justa causa, aviso prévio e sem receber multa rescisória. Empresas também não são obrigadas a fornecerem férias remuneradas ou licença maternidade.

“Lá houve uma precarização completa da força de trabalho. Você tem o que chamam de pluralismo sindical, vários sindicatos representando a mesma base, o que enfraquece a capacidade de luta e negociação. Por outro lado, há uma exacerbação do individualismo no processo jurídico e político, de maneira a fazer com que a ação individual se sobreponha à ação coletiva”, descreveu Paulo Kliass.

A crise econômica de 2008 terminou por revelar os efeitos desse liberalismo levado ao extremo. “Em função da desregulamentação, nessa balança, as empresas têm muito mais força que o trabalhador individualmente. Com a crise, isso fez com que salários fossem reduzidos e as condições de trabalho, alimentação, saúde, previdência piorassem”. Lá, como aqui, a conta foi paga pelos setores menos favorecidos da sociedade.

Não é à toa que os Estados Unidos são considerados o país desenvolvido com mais desigualdades no mundo. Diversos relatórios indicam que os dividendos do crescimento econômico e dos avanços tecnológicos não são suficientemente compartilhados por toda a população. De acordo com Federal reserve (o Bancpo Central norte-americano), apenas 1% da população acumula quase um quarto da renda nacional. O 1% mais rico possuía 23,8% da renda em 2016, contra 20,3% em 2013.

A desregulação do mercado de trabalho não é a única a razão da desigualdade, claro, mas é, sim, um fator a ser levado em consideração “A causa maior da desigualdade está associada à concentração, um processo mais estrutural que foi mais reforçado no período em que os republicanos estiveram no poder e pela grande crise de 2008", citou o economista.

De lá para cá, cada vez mais parcelas da população dos EUA têm se afastado do ideal do sonho americano. "Você teve desemprego aumentando, setores do capital se apropriando cada vez mais da parcela disponível da renda na sociedade. E a precarização das condições de trabalho, aliada à inexistência de condições mínimas de um Estado de bem-estar social para apoiar a população em momentos de crise, só aprofunda o nível das desigualdades”, coloca Paulo Kliass. Um exemplo que o Brasil, já brutalmente desigual, não deveria seguir.