"Privatização atende a grupos econômicos que apoiam Temer"
"Temer gasta para se manter no poder, com uma série de benesses para os grupos políticos e econômicos que o apoiam. A privatização atende aos grupos econômicos e, ao mesmo tempo, gera recursos para as necessidades políticas a curto prazo, às custas da solvência futura do próprio Estado, que perde receitas preciosas em troca de ativos vendidos baratos”. A avaliação é do economista Pedro Paulo Zahluth Bastos, professor visitante na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e licenciado da Unicamp.
Publicado 05/10/2017 17:57
Em entrevista ao Portal Vermelho, ele tece críticas às declarações do ministro Henrique Meirelles, que anunciou em Nova York ser hora de investir no país, pois os preços estariam baixos.
Para Bastos, o titular da Fazenda fala como um “caixeiro viajante” e mais parece um “membro local da elite financeira global” que um ministro. “O pior é que a declaração mostra que é mais importante vender o patrimônio público (e quanto mais barato melhor) do que resolver a questão fiscal”, diz.
Segundo o economista, o histórico das privatizações se contrapõe ao discurso do atual governo, em defesa das desesatatizações. De acordo com ele, as experiências do passado sequer serviram para gerar recursos líquidos para o Estado.
E, em geral, significaram trocar monopólios públicos por privados, “que oferecem serviços com preços inflados”, reduzindo a renda real dos consumidores e aumentando o custo-Brasil. Confira abaixo a íntegra:
Portal Vermelho: Qual a sua avaliação sobre o pacote de privatizações anunciado pelo governo Michel Temer?
Pedro Paulo Zahluth Bastos: A coalizão neoliberal que sustenta Temer sempre quis continuar o processo de privatização interrompido por conta das crises na década de 1990. Precisava de uma oportunidade. A circunstância propícia foi a crise fiscal, que não deve ser explicada por um excesso de gasto federal, mas sim pelos efeitos da crise econômica que derrubou a arrecadação.
Temer gasta para se manter no poder, com uma série de benesses para os grupos políticos e econômicos que o apoiam. A privatização atende aos grupos econômicos e ao mesmo tempo gera recursos para as necessidades políticas a curto prazo, às custas da solvência futura do próprio Estado, que perde receitas preciosas em troca de ativos vendidos barato em meio à crise.
No discurso na Assembleia Anual da ONU, Temer avisou que o Brasil agora está "mais aberto para o mundo". Meirelles, por sua vez, disse a empresários norte-americanos que é hora de investir no Brasil, pois os preços do país ainda não acompanharam a "recuperação da economia". Qual a leitura que o senhor faz dessas declarações?
São declarações de uma espécie de caixeiro viajante, que não tem sequer identificação com seu povo e sequer com parte do empresariado local não internacionalizado. Parece menos um ministro brasileiro do que mais um membro local da elite financeira global, a quem se dirige alertando que é melhor comprar logo enquanto o Brasil está barato.
O pior é que a declaração mostra que é mais importante vender o patrimônio público (e quanto mais barato melhor) do que resolver a questão fiscal. Afinal, como a compra de ativos baratos – inclusive privatizações – pode contribuir com as finanças de quem vende (se vendedor privado) e gerar receitas fiscais (se for o Estado)?
O que a experiência nos diz sobre as privatizações? Qual foi o saldo das desestatizações do passado?
O histórico das privatizações, sobretudo no ramo de serviços, é em geral o de trocar monopólios públicos por monopólios privados, que oferecem serviços com preços inflados. Isto reduz a renda real dos consumidores e aumenta o custo-Brasil. É por isto que são tão impopulares.
No setor mineral, o histórico da Vale, por exemplo, é o de uma empresa que certamente tem ativos tecnológicos (muitos deles legados a preço de banana do esforço dos engenheiros da empresa estatal anterior), mas que explora as rendas derivadas do controle de jazidas sem pagar impostos devidos, pois abusa de evasão ou elisão fiscal e, aliás, pratica crimes ambientais.
O governo afirma que as privatizações vão gerar investimentos, criar empregos, gerar renda, oferecer serviços melhores à população e ajudar nas contas públicas. O senhor concorda?
À luz do histórico de privatizações, não. O jornalista Aloysio Biondi escreveu livros para mostrar que sequer para gerar recursos líquidos as privatizações dos anos 1990 serviram, para não falar das receitas públicas futuras que são perdidas quando uma empresa é privatizada, e tanto mais quando os ativos são liquidados como sugeriu o Meirelles.
O mesmo se verificou em vários lugares do mundo: quem compra se financia com juros mais caros do que o Estado, logo o que comprador paga, em geral, tem valor presente inferior ao fluxo de receitas que o Estado renuncia.
No início dos anos 2000, privatização era quase um palavrão. O que aconteceu para que voltassem a ser defendidas com tanto fervor?
O pretexto é a crise fiscal. No entanto, é importante lembrar que este governo só fala isto porque não resultou de uma eleição, mas de um golpe. Aliás, Temer é o presidente mais impopular da história das modernas pesquisas de opinião. O fato é que o governo também conta com certa passividade da população cansada de protestar sem efeito prático e, ainda por cima, de apanhar de forças políticas despreparadas para respeitar o direito pacífico à manifestação pública.
As privatizações representam um risco à soberania nacional?
Tendem a implicar em remessas de lucros, piorando o balanço de pagamento a longo prazo. Além disso, se envolverem o petróleo, o risco à soberania é ainda maior, como se sabe.
Como o pacote de privatizações é enxergado aí nos Estados Unidos? Comenta-se o assunto?
Não é um tema que mobilize a opinião pública nos EUA, mas certamente é de interesse estratégica do governo americano e das grandes corporações, sobretudo se conseguirem aumentar a participação no petróleo brasileiro.
Serviços de distribuição de energia, por exemplo, são majoritariamente estatais mundo afora, e vários países têm barrado investimentos estrangeiros no setor. O Brasil vai na contramão do restante do mundo?
Sim. No início da década de 2000, o maior estado dos EUA, a Califórnia, passou por severa crise elétrica por causa da privatização do sistema e das fraudes da empresa ENRON. Em geral, o ramo precisa oferecer preços baixos para estimular outras atividades e tem investimentos de maturação de longuíssimo prazo. É por isso que normalmente é estatal.
De acordo com sindicatos da área, a privatização em parte do setor elétrico nos anos 1990 foi marcada pela terceirização e também por demissão em massa. Qual o impacto para o conhecimento acumulado sobre um setor, quando trabalhadores que conhecem a empresa são demitidos e substituídos por terceirizados?
Muito ruim para os serviços no longo prazo, mas bom para a rentabilidade dos acionistas a curto prazo. É por isso que a reforma trabalhista foi feita, aliás: para baixar custos trabalhistas na ótica da empresa, empobrecendo o trabalhador e sujeitando-o muito mais a acidentes e ao estresse em geral, com uma rede de segurança social pior e, em geral, não bancada pela empresa, que economiza também no pagamento de impostos ao contratar terceirizados.