Ao contrário de Getúlio, Doria "desceu do umbuzeiro" antes da hora

Mestre na arte de manobrar o tempo a seu favor e de dissimular seus movimentos usando o vazio de sua ausência como força, o presidente Getúlio Vargas deixou muitos ensinamentos.

Por Ricardo Cappelli*

Doria e MBL - Foto: Reprodução Youtube

Certa vez ao cometer uma travessura, sabendo que seria punido por seu pai, fugiu de casa para evitar o castigo e foi se esconder num Umbuzeiro. Nas primeiras horas seu Manuel Vargas, enfurecido, saiu a procurar o filho para lhe aplicar um “corretivo”. As horas foram passando e nada de Getúlio aparecer, permanecia firme e quieto escondido em cima da árvore. Depois de muitas horas procurando sem sucesso o filho arteiro, a busca virou agonia. O que teria acontecido ao filho? Caiu em algum rio? E Getúlio não arredava de cima do Umbuzeiro. Quando finalmente resolveu descer e aparecer, tinha alcançado seu objetivo: o castigo iminente se transformou num forte abraço de alegria e alívio pelo reencontro. O tempo e sua ausência transformaram completamente a situação. A bronca virou beijo. Vargas levou para sempre esta lição: “Nunca descer do Umbuzeiro antes da hora”.

Eleito de forma espetacular, o presidente do LIDE foi o primeiro na história a liquidar a eleição na maior cidade da América Latina no primeiro turno. Derrotou de forma avassaladora o então prefeito Haddad. Vendeu a imagem do João Trabalhador, o empreendedor de sucesso, a antítese do político tradicional. Tinha nas mãos um “filé” para consolidar esta imagem. Uma “cidade-país”, um orçamento poderoso e a possibilidade de muitas realizações. Se a negação da política é a avenida aberta, nada melhor que realizar entregas vistosas, “trabalhar João”, e não falar de política. Opiniões? Claro, sem se expor demais, afinal “quem trabalha não tem tempo a perder com política”. Acelerar para disputar o PSDB? Besteira, com o desgaste generalizado o campo conservador na hora H se unificará em torno do candidato mais viável, partido será detalhe, e os Tucanos andam mal das pernas. Se estivesse forte e bem avaliado em São Paulo, se tivesse ficado em cima do Umbuzeiro pacientemente e Alckmin não decolasse, como as pesquisas demonstram, teria Tucanos e outros do seu campo aos seus pés, desesperados esperando que “aparecesse”.

Faria como Getúlio que se “negava a decidir” questões polêmicas tirando da boca de aliados conflagrados sempre a resposta que havia planejado desde o início.

Na disputa com Alckmin, passa a imagem de político tradicional. Nas viagens pelo país em dias úteis consolida a imagem de oportunista e dilapida a imagem do “trabalhador”. Expõe-se antecipadamente desgastando de forma precipitada seus atributos pelos tiros, da oposição e do “fogo amigo”. A política não é como o mundo dos negócios, “perder tempo” pode ser estratégico e decisivo para ser catapultado mais à frente.

O próprio Doria vem desconstruindo sua imagem, apesar de ser um erro subestimá-lo. Será candidato, qualquer que seja o partido, seu ego e vaidade não permitiria o contrário. Do lado “de cá” tem gente em cima do Umbuzeiro olhando os movimentos. Jaques Wagner, “no galho lá em cima atrás das maiores folhas”, é um deles, caso aconteça à inabilitação de Lula. Do jeito que a coisa vai, com os frágeis Marina e Bolsonaro ocupando hoje posições importantes, o campo conservador vai acabar sacando um dos seus do Umbuzeiro também. FHC, em artigo no Estadão, deu sinais do caminho que perseguirão. Olhar 2018 agora é como querer “pegar no horizonte”. Novidade não vai faltar.