Fiscais e procuradores do Trabalho vão resistir à reforma trabalhista

Há pontos da reforma que violam princípios constitucionais, outras leis trabalhistas ou normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Carteira de Trabalho

Apesar da alta expectativa do patronato com a entrada em vigor da reforma trabalhista, em 11 de novembro, as empresas poderão continuar a ser fiscalizadas e autuadas. Poderão até sofrer novas ações civis públicas por práticas que estão previstas na Lei nº 13.467/2017, que desmantelou a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), de 1943.

Tudo porque fiscais do trabalho e procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) seguiram o exemplo dos juízes trabalhistas e vão resistir à nova legislação. Eles declaram que não aplicarão pontos da reforma que violam princípios constitucionais, outras leis trabalhistas ou normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Entre os pontos que podem ser desconsiderados nas fiscalizações estão a predominância do negociado sobre o legislado, a terceirização ampla, o não reconhecimento de vínculo empregatício de trabalhadores autônomos, a contratação de trabalho intermitente para qualquer setor, a limitação de valores de indenização por danos morais e a possibilidade de uma jornada de 12 horas de trabalho por 36 de descanso por acordo individual.

O posicionamento do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) está previsto em 125 enunciados, editados em conjunto na 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, que ocorreu na semana passada, em Brasília. Para o auditor fiscal do Trabalho Alex Myller, do Sinait, é preciso harmonizar as previsões da reforma com a Constituição, as outras disposições da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e tratados internacionais.

"Podemos preservar o que for possível da reforma, mas não posso ir contra o que diz a Constituição. Senão estaria prevaricando", diz. O sindicato levou 20 teses à discussão no evento, das quais 18 foram aprovadas, como o que trata do não reconhecimento de vínculo empregatício do empregado autônomo. "Temos de pensar no princípio da primazia da realidade e a própria Constituição diz que a relação de emprego é um direito dos trabalhadores. Por isso, quando a prestação de serviços é continua e exclusiva, tem que ser tradicionalmente considerada relação de emprego."

Conforme os organizadores da 2ª Jornada, cerca de 600 pessoas participaram do evento, sendo 30 procuradores, 70 fiscais, 350 juízes e 120 advogados. Diante do furor que a aprovação da reforma causou no meio jurídico, o evento teve recorde de público. Teve o dobro de participantes registrados na 1ª Jornada, em 2007, quando foram levantados enunciados gerais sobre a legislação trabalhista, segundo o presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), Guilherme Guimarães Feliciano.

Também foram consideradas inconstitucionais as previsões de cobrança dos valores de perícia e de honorários de sucumbência – pagos ao advogado da parte contrária com relação aos pedidos negados ao trabalhador, bem como a limitação mais restrita à assistência judiciária gratuita. Para o presidente da Anamatra, não se trata de "um jogo de resistência”: “Se a lei fosse bem redigida, não haveria uma busca tão grande para interpretá-la. Agora o Poder Judiciário tem que fazer o seu trabalho de interpretar as normas de forma coerente com a Constituição”.

Sobre a terceirização, foi aprovada tese de que ela não se aplica à administração pública direta e indireta, restringindo-se às empresas privadas. Outro enunciado prevê que empregados das empresas terceirizadas devem ter direito a receber salário igual ao de empregados das tomadoras de serviços, bem como usufruir dos mesmos serviços de alimentação e atendimento ambulatorial. Em outro texto, houve a proibição da terceirização na atividade-fim (principal) das empresas. "A terceirização, a nosso ver, só pode ser usada para atividades que são especializadas sem que signifique precarização do trabalho", diz Feliciano.

A procuradora do trabalho Vanessa Patriota da Fonseca, vice-coordenadora nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret), afirma que o órgão apontou diversas inconstitucionalidades desde a tramitação do projeto de lei. "Sancionada a lei, cabe ao MPT, responsável pela defesa da ordem jurídica, atuar na interpretação de acordo com a Constituição", diz.

É o caso da prevalência do negociado sobre o legislado, que deve ser relativizada. Para a procuradora, o artigo 7º da Constituição não foi revogado e estabelece os direitos dos trabalhadores e somente poderão ser admitidos negociados que sejam mais benéficos aos funcionários. De acordo com ela, os procuradores podem declarar a inconstitucionalidade da lei incidentalmente, no bojo da ação civil pública, como prevê a própria Constituição, e não aplicar dispositivos previstos na reforma.