O destino da situação na Catalunha será decidido esta semana 

Governo central espanhol afirmou que entrará com o artigo 155 da Constituição para intervir na Catalunha, o resultará em uma série de medidas que serão aprovadas no Senado na sexta-feira (27); Puigdemont, governador da região, poderá declarar independência unilateral ou convocar novas eleições autônomas, o que enfraqueceria o processo independentista 

Por Alessandra Monterastelli *

Carles Puigdemont - Reuters

Governo central espanhol deve estabelecer quais serão as medidas que tomará para intervir na Catalunha e assumir o poder da comunidade autônoma. Segundo o jornal espanhol El País, após uma reunião extraordinária do Conselho de Ministros, Mariano Rajoy determinou a saída de toda a cúpula de poder da Generalitat, como é conhecido o Governo catalão. Nos próximos meses, a comunidade autônoma também deverá passar por uma nova eleição. As medidas ainda precisam ser aprovadas pelo Senado antes de serem colocadas em prática.

A intervenção da Espanha na Catalunha pelo uso do artigo 155 da Constituição começou a ser estudado por Rajoy após Puigdemont declarar, no dia 10 de outubro, a independência da Catalunha e suspender seus efeitos logo em seguida, para que pudesses ser realizada negociações com o governo central. No dia 11 de outubro o presidente espanhol exigiu um esclarecimento se a independência havia sido de fato declarada ou não e, no último sábado (21), acionou o Conselho de Ministros para dar início às medidas que deverão ser implementadas para que o governo central assuma o controle. As primeiras medidas, e também as mais criticadas, serão destituir toda a cúpula de poder catalã eleita para se convocar novas eleições após 6 meses, "assim que se recupere a normalidade". Afastar todos os membros do governo catalão, entregando as suas funções a ministros de Madrid, e retirar qualquer função legislativa do parlamento, equivale, na prática, a afastar do poder todos os eleitos pelos catalães. A medida ainda suspende que o presidente e o vice-presidente da Generalitat e os ministérios assumirão suas funções.

Segundo o El País, em sua fala à imprensa após a reunião, Rajoy, que defende o contraste entre a declaração independentista e a lei, ressaltou que sua intenção nunca foi aplicar o artigo, que só deve ser usado em "situações excepcionais". "Nenhum Governo de nenhum país democrático pode aceitar que se ignore a lei", ressaltou ele, que disse que a intervenção está baseada em quatro pilares: a volta da legalidade, a recuperação da normalidade e da convivência, a continuidade da recuperação econômica (ressaltando a saída da Catalunha de sedes sociais de várias empresas desde o início da crise).

Para a jornalista portuguesa Sofia Lorena, do jornal Público, em seu artigo “E a política, senhores? ” em que ressalta a irresponsabilidade de ambos os governantes ao abandonar o diálogo, afirma que “Mariano Rajoy e companhia se defendem com a ‘legalidade’, como se esse fosse o único sinônimo de democracia. A Constituição é apresentada com o peso de um livro sagrado, como se a lei fosse intocável e existisse para que a servíssemos, e não devesse, pelo contrário, evoluir, adaptando-se às circunstâncias para melhor servir determinada população” e reitera que isso leva grande parte dos catalães ao desespero, já que o argumento de “defesa da lei a qualquer custo” é usado para justificar a violência da polícia espanhola no dia da votação do referendo, em que, segundo ela, “centenas de pessoas foram feridas a cassetadas para depois a atuação da polícia ser descrita como ‘exemplar’ pelo Governo e pelo rei por se exercer no cumprimento de um mandado judicial”.

A decisão do governo central abre novas incertezas na crise. Na quinta-feira (19) a Catalunha declarou que reagiria com o prosseguimento da votação da declaração formal de independência no Parlamento catalão caso o Governo central "persista em impedir o diálogo e continuar a repressão". Em contrapartida, a procuradoria espanhola afirmou no sábado (21) que fará uma denúncia por "rebelião" contra o presidente catalão, Carles Puigdemont, e outros dirigentes. Um crime que prevê até 30 anos de prisão.

As ações dos catalães 

Puigdemont não esclareceu se proclamará de fato a independência no parlamento catalão como resposta a atitude do governo espanhol, mas deixou a possibilidade em aberto. Segundo o El País, ele pedirá à Câmara que convoque uma sessão na qual os deputados debatam e decidam “sobre a tentativa de liquidar” o autogoverno e a democracia catalã, algo do que o Governo central foi acusado. “E que atuemos em consequência”, acrescentou em sua declaração. O governador da Catalunha, o governo central espanhol se “autoproclamou ilegitimamente representante da vontade de todos os catalães” e “quer nomear uma junta para que teledirija de Madri a autonomia da Catalunha”.

Raül Romeva, ministro dos negócios Estrangeiros do Generalitat, declarou em entrevista ao jornal Publico que os catalães não permitirão serem “arrastados de novo para uma situação de arbitrariedade, por muito que alguns a queiram esconder, disfarçar, camuflar ou maquilhar de legalidade”. O independentista moderado ainda afirmou que “o autoritarismo de outras décadas continua latente”, referindo-se a repressão das instituições democráticas da Catalunha e de diversos componentes de sua cultura durante a ditadura franquista, na década de 1940.

Protestos dos independentistas contra a tomada do governo espanhol das instituições catalãs e contra prisão de seus líderes se espalharam pela Catalunha. 


Manifestantes na Catalunha na quinta-feira (19) Foto: Sean Gallup/ Getty Images

“Posso garantir que nem o povo nem as instituições da Catalunha vão permitir que isso aconteça”, afirmou o conselheiro dos Negócios Estrangeiros do governo da região, Raul Romeva, numa entrevista à BBC na segunda-feira (23). Segundo ele, as autoridades da Catalunha recusarão acatar as ordens do Governo de Espanha, continuando a obedecer ao governo e ao parlamento regional “que o povo decidiu eleger democraticamente”. “Os funcionários das instituições catalãs, polícia incluída, seguirão as ordens das instituições eleitas. Só o povo tem o direito de mudar essas instituições”, sublinhou.

A Candidatura de Unidade Popular (CUP), partido de esquerda e independentista catalão, informou que promoverá ao longo da semana “ações de luta não violenta” para manifestar a sua oposição às medidas de Mariano Rajoy, classificadas como uma “agressão dirigida à maioria independentista e também à cidadania – que encontrará uma resposta na desobediência civil maciça”.

Saídas para Puigdemont

O governador catalão encontra-se em um empasse. Se convocar eleições antecipadas autônomas poderia barrar a ação do governo espanhol, mas também estagnaria o processo de independência. Nesse caso, a CUP retiraria seu apoio, enquanto que o Partido Democrata Europeu Catalão (PdeCat, de Puigdemont) e a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), tendem para a solução das eleições antecipadas. A convocação autônoma é uma das exigências do Partido Popular, PSOE, Cidadãos e de diversos empresários, que querem manter a unidade de Espanha.

Segundo algumas sondagens divulgadas pelo Público, 68,7% dos catalães defende uma ida às urnas, respondendo afirmativamente à pergunta “Estaria de acordo com a realização de novas eleições para tentar resolver este conflito?”. Entre os independentistas a divisão é grande: 48% apoia as eleições, 47,2% rejeita essa opção, indica o inquérito realizado pelo Gabinete de Estudos Sociais e Opinião Pública para o jornal El Periódico. Entre o mesmo grupo, 58,8% defende uma declaração unilateral de independência imediata.

Mas quando se pergunta “o que Puigdemont deve fazer agora?”, as respostas mudam um pouco: 36,5% pede ao presidente que convoque eleições para impedir o 155; 29,3% que declare a independência; e 24,8% que renuncie a essa declaração para negociar com o Estado sem condições.

A Esquerda Unida continua defendendo o diálogo e as negociações entre as duas partes- que aparenta ser a melhor saída- para a criação de um Estado Plurinacional na Espanha ao contrário da separação, além de ouvir as reivindicações dos catalães. A proposta foi aparentemente ignorada por ambos os líderes.

Prazos

Esta é a última semana antes da intervenção do governo espanhol na Catalunha; o Senado vai aprovar as medidas na sexta-feira (27) e no sábado (28) elas entrarão em vigor. Se essa se confirmar, a jornalista Sofia Lorena argumenta que a estratégia dos independentistas já é conhecida e será “transformar a gestão direta de Madrid em um desastre”, como resume o jornal britânico Guardian. Os conselheiros recusariam abandonar os seus postos de trabalho, obrigando a polícia a removê-los; funcionários de diferentes áreas da administração se recusariam a obedecer às ordens de Madrid e os municípios (em que a esmagadora maioria apoiou o referendo) preparam-se para votar moções de “recusa da aplicação do 155”.

Segundo o Publico, o Senado, que está processando o pedido de ativação do artigo 155 convidou o presidente da Generalitat para um debate com o Governo espanhol, o que deixaria Puigdemont cara a cara com Rajoy. Poderá acontecer na quinta-feira (26), na comissão que está tratando diretamente dos procedimentos do 155, ou na sessão plenária do Senado, na sexta-feira (27).