Publicado 27/10/2017 16:04
As duas rodadas de licitações da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para campos do pré-sal brasileiro, sob o regime de Partilha da Produção, acontecem nesta sexta-feira (27).
Essas rodadas acontecem num contexto bem diferente da 1ª Rodada de Licitação do pré-sal (realizada em outubro de 2013) na qual o Estado brasileiro possuía maior capacidade de coordenação das atividades de petróleo e gás, em virtude do modelo anterior em que a Petrobras assumia o papel de operadora e detinha uma participação mínima do campo leiloado, o de Libra.
Com as mudanças regulatórias, a segunda e a terceira rodadas abrem uma janela de oportunidade para maior atuação das empresas estrangeiras, sem a exigência da Petrobras como operadora única.
Na segunda rodada serão ofertadas quatro áreas localizadas nas bacias de Santos e Campos, com jazidas unitizáveis, ou seja, adjacentes a campos cujos reservatórios se estendem para além da área concedida anteriormente; e, na terceira, serão licitadas também quatro áreas novas, ainda não exploradas, localizadas também nas bacias de Campos e Santos.
Esses oito campos abrangem uma área de 7.977 km² e estima-se, segundo a ANP, um volume de reservas de petróleo de cerca de 12 bilhões de barris, sem levar em conta os campos de Alto de Cabo Frio-Oeste e Alto de Cabo Frio-Central, que não tiveram suas estimativas divulgadas.
Chama atenção nas rodadas atuais, a forte redução do percentual mínimo de excedente de óleo necessário para participar dos leilões (média de 16,18% – Tabela 1) em relação ao resultado da primeira rodada do leilão de Libra, que foi de 41,65%.
Estudo de Paulo Cesar Lima e Pedro Garrido, consultores legislativos do Congresso, mostra que, atualmente sob o regime de concessão, o campo de Sapinhoá já recebe o equivalente a 28,67% da produção de petróleo, quase treze pontos percentuais acima do mínimo exigido, na média dos campos.
Considerando-se apenas o campo entorno de Sapinhoá, o mínimo exigido foi de somente 10,34%, quase dezoito pontos percentuais a menos que o valor obtido pelo Estado com a participação especial.
Esse movimento de forte diminuição das exigências mínimas de óleo excedente destinado à União que, na prática, significou que uma maior parte do óleo produzido ficará com as operadoras vencedoras do leilão, associado à retirada da Petrobras como operadora única, expressa a redução dos eixos de controle do Estado sobre as reservas do pré-sal – como visto no terceiro texto da nossa série. Esses elementos são resultados de grandes pressões, ao longo dos últimos anos, das empresas estrangeiras – como observado no segundo artigo desta série – para facilitar suas entradas no pré-sal.
Chama atenção o número elevado de interessados na participação dessas duas rodadas de licitação, já que o setor de petróleo é fortemente oligopolizado. Segundo a ANP tiveram 10 empresas inscritas a participar da segunda rodada e 14 empresas para a terceira rodada. As oito áreas ofertadas nas licitações totalizam R$ 7,750 bilhões em bônus de assinatura.
Mesmo acontecendo na mesma data e local, as duas rodadas são bens diferentes e a atuação das empresas no leilão deve expressar as estratégias de cada empresa para o setor petrolífero brasileiro. Os campos leiloados na segunda rodada já possuem, de certa maneira, empresas interessadas, pois são conhecidos a muito tempo e já possuem instalações nas proximidades destes (Tabela 2).
Entre os 8 campos ofertados pela ANP nestas duas rodadas de leilões, a Petrobras mostrou interesse em apenas 3 campos, Sapinhoá, Peroba e Alto de Cabo Frio-Central, sendo sua participação em 30% em cada um destes. Nos outros 5 campos a empresa pode até participar no momento da realização do leilão, em consórcio com outra empresa operadora. No entanto, a Petrobras não manifestou interesse prévio, o que revela uma estratégia de participar de forma tímida nos leilões, abrindo a possibilidade para o ingresso de outras empresas no pré-sal brasileiro (Tabela 2).
Se a Petrobrás não tem apetite, outras grandes petroleiras estão empolgadas em entrar nos promissores campos do pré-sal brasileiro. Algumas já têm alguma participação, como a norueguesa Statoil, a anglo-holandesa Shell, a francesa Total, a sino-espanhola Repsol Sinopec e a chinesa CNOOC, por exemplo. A novidade está na posição das petroleiras norte-americanas que publicamente mostraram-se muito interessadas, estas seriam a Exxon e Chevron.
Em relatório recente o Atlantic Council recomendou que o “o país necessita destravar o seu potencial e aumentar a produção de petróleo e gás. O pré-sal deve ser aberto a diferentes operadores. (…) Investidores capazes de precificar corretamente oportunidades de investimento, ativos e empresas no Brasil têm diante de si a maior janela de oportunidade em décadas”. Não há dúvidas, portanto, que desde a descoberta do pré-sal pavimentou-se um caminho para atuação das empresas estrangeiras que se intensifica exatamente no momento que a Petrobras adota um papel coadjuvante no setor nacional.
O interesse é tanto que a Chevron e a ExxonMobil chegaram a sugerir mudanças no edital de licitação dos campos e no modelo de contrato, feita pela ANP em consultas públicas. De maneira geral, as empresa sugerem maior prazo para exploração dos campos.
Mesmo com todo o interesse das empresas estrangeiras no pré-sal, em virtude do baixo risco exploratório, dos baixos custos de extração (abaixo de US$ 7 o barril) em virtude da produtividade 30% superior ao esperado, do suficiente conhecimento geológico e da fase inicial de descoberta, o governo brasileiro optou por mudanças regulatórias que beneficiam ainda mais a petroleiras estrangeiras (de capital privado e estatal) em detrimento dos interesses nacionais.
Dentre essas medidas, destacam-se (i) a redução dos indícios do Conteúdo Local; (ii) a ampliação do Repetro (regime aduaneiro especial que desonera a tributação de importação – que permite inclusive deduzir IRPJ e CSSL – de equipamentos importados destinados à pesquisa e à produção de petróleo e gás natural – projeto de lei nº 795); e (iii) o fim da exigência da Petrobras como operadora única nos campos do pré-sal. Isso abre espaço para a expansão das petroleiras internacionais, em especial as estadunidenses.
O grau de abertura e de atração das empresas estrangeiras é tão desmedido que, como se observa na Tabela 1, o governo brasileiro está claramente desvalorizando os ativos do pré-sal nos leilões, a despeito do interesse das empresas e da capacidade de lucro potencial que o pré-sal possui. Isso fica evidente pelos valores de bônus de assinatura inicial de R$ 7,750 bilhões, que representam em média apenas R$ 1,49 por barril de petróleo (Tabela 1) das reservas estipuladas das áreas leiloadas.
Isso é no mínimo contraditório, pois já que o próprio presidente da Shell Brasil afirmou recentemente que “o pré-sal é onde todo mundo quer estar”.
Cabe fazer um exercício simples aqui. Se estes 12 bilhões de barris fossem explorados apenas pela Petrobras (dado seu menor custo de operação e participações do governo em ações da empresa), o volume arrecadado para a União seria de R$ 1,2 trilhão. Sem a participação da Petrobras, a União poderá arrecadar cerca de R$ 650 bilhões. Assim, estima-se perdas para a União de cerca de R$ 500 bilhões de arrecadação nos 30 anos de produção destes campos. No que tange ao volume de royalties e recursos gerados ao Fundo Social (destinados a Saúde e Educação) as perdas são da ordem de R$ 25 bilhões sem a participação da Petrobras.
Dadas as atuais características das segunda e terceira rodadas do leilão do pré-sal, no contexto de mudanças regulatórias, o Estado brasileiro abrirá mão de enormes massas de recursos financeiros e produtivos e de sua capacidade de apropriação de parte importante da renda petrolífera gerada no pré-sal, que poderiam ser destinadas para o desenvolvimento industrial e social do país.
As políticas governamentais atualmente seguem numa direção oposta aos interesses da maioria da população brasileira. No último artigo da série: “O pré-sal e os interesses em jogo: realidade e desafios”, analisaremos os resultados efetivos do leilão e seus possíveis efeitos.
* Cloviomar Cararine é economista do Dieese