Sandra Helena de Souza: A Regra 17 e a esquerda antipetista

"Nem meus maiores pesadelos poderiam prever o assombro que foi o 2017 tsunâmico na dêbacle dos duramente conquistados direitos democráticos, em todos os âmbitos”.

Por *Sandra Helena de Souza

bandeira do brasil eleição

Em dezembro passado, escrevi um artigo neste espaço que causou certo frisson (http://bit.ly/2zJGoGU). Nele eu listei 48 regras de bem viver o pós-2016, o ano do mais recente golpe no periclitante Estado Democrático de Direito brasileiro, naquele momento ainda regido pela hoje já destruída – um ano foi suficiente, amig@s – Constituição Cidadã de 1988. Fui reler meu manual e descobri que passei bem por minha própria estilística política de existência, a não ser pela regra 17, não sem por ela envidar, e continuar ainda hoje, esforços titânicos.

“Reinvente-se como militante de esquerda. Unifique”. É disso que se trata. Aí eu me referia evidentemente a uma tentativa urgente de aliançar (ai que palavrinha problemática) o campo progressista, aqueles que admitem que fomos golpeados, melhor dito, os que incansáveis foram às ruas desde o início de 2015 e os que por conta de sua oposição à esquerda aos governos petistas só chegaram quando inês já estava quase morta, “organizados”, com imensas reservas e cheios de dedos (sem trocadilhos mesmo).

Nem meus maiores pesadelos poderiam prever o assombro que foi o 2017 tsunâmico na dêbacle dos duramente conquistados direitos democráticos, em todos os âmbitos. Ainda assim, meu receituário helenista me manteve inteira. Afinal, num certo registro da vida social, esse transmitido pelo mainstream espetaculoso das velhas mídias tudo parece seguir um curso normal: atravessamos uma crise, já estamos nos recuperando aos poucos e teremos eleições livres logo a seguir. Mas é preciso insistir que esse mantra só funciona bem para quem já tem seus ventres cheios e acredita que os manterá assim mesmo que o titanicbrasil afunde. A vida parece seguir, não é mesmo?

Em que minha regra 17 me interpela de modo incontornável? Uma recente e boa discussão pública entre os professores Luís Felipe Miguel, da UnB, e Pablo Ortellado, da USP, explica. Num artigo escrito na Folha de S. Paulo, Ortellado reclama da polarização prejudicial ao país, entre os que chama de “esquerda contra os antipetistas”. Segundo ele, como de resto a muitos intelectuais popstars, trata-se de um equívoco a disputa entre quem luta contra a corrupção, “antipetistas”, e quem luta por mais justiça social, “anti-antipetistas”(!). Como se fosse o caso. Miguel, com quem concordo, afirmou em réplica que o pensamento que exige a superação olímpica da polarização elide a profunda luta que se desenha não em torno do petismo, mas em torno da própria ideia republicana e liberal, por que não?, da defesa dos direitos mínimos que a nossa precária democracia vinha assegurando aos mais vulneráveis e espoliados de tudo. Ortellado treplica afirmando, baseado em suas pesquisas nas ruas sobre falas dos manifestantes de 2015, que o acordo entre as partes é maior que as diferenças e que no fundo estamos manipulados por uma disputa sem sentido que oculta o consenso em defesa dos direitos sociais. Numa palavra: não há classe média contra trabalhadores, queremos o mesmo e estamos explorados (!) por paixões políticas escusas. Sério?

O assombro do silêncio dos golpistas nas ruas em 2017 é uma contestação contundente dessa tese e só me pergunto qual o futuro da “esquerda antipetista” ao fim e ao cabo. Difícil cumprir a regra 17. Mas insisto, 2018 vem aí. Vamos?


*Sandra Helena de Souza é professora de Filosofia da Unifor; membro do Instituto Latino Americano de Estudos em Direito, Política e Democracia (ILAEDPD).

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