Uso de militares na segurança vem desde FHC, sem resultado

Em entrevista à revista CartaCapital, a pesquisadora Jacqueline Muniz, professora do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), avalia que uso desde 1990 das Forças Armadas em operações de segurança pública tem se demonstrado ineficiente.

Jacqueline Muniz - Reprodução Facebook/Jacqueline Muniz

Ela destaca que a intervenção federal no Rio de Janeiro e a aplicação da chamada Garantia da Lei e da Ordem em estados como Pernambuco, Rio Grande do Norte e Espírito Santo não geraram resultados substantivos, até por seu caráter de improvisação.

"Simplesmente é uma crônica de uma história anunciada. No caso do Rio de Janeiro, o emprego das Forças Armadas com o propósito de policiamento em operações tem ocorrido frequentemente desde 1992. Foram níveis de intervenção diferentes, não foi propriamente uma intervenção federal em que as Forças Armadas assumiram o comando. No entanto, elas atuaram em quase todos os grandes eventos do estado e em momentos entendidos como de crise, sem que isso tivesse gerado um resultado substantivo no crime organizado. Serviu como uma espécie de abafa provisório", salientou a professora.

Segundo ela, a presença das Força Armadas apenas produziu dispersão de mancha criminal "sem resolver a causalidade que originaram os crimes cotidianos".

"O que se tem na verdade é um efeito ostensivo e um gasto grande para um baixo rendimento em resultados de controle do crime. Seja o crime cotidiano, seja a chamada dinâmica criminal organizada em rede", reforçou.

Ela salienta que o uso das Forças Armadas foi banalizado, o que revela a falta de uma política de defesa e uma política nacional de segurança pública substantiva. "No caso da Maré, por exemplo, gastou-se cerca de 350 milhões durante um ano (segundo dados atualizados obtidos pela Lei de Acesso a Informação, até junho de 2017 haviam sido gastos 441 milhões de reais na operação), o que se produziu foram desgastes e riscos. Por exemplo, nos primeiros dias da Rocinha se apreendeu muito pouco de armamento e em munição, não se sabia o que se faria lá, não haviam relatórios de inteligência prévia, não se tinham diagnósticos substantivos", disse ela à CartaCapital.

Para ela, não há um sistema integrado de segurança, não há protocolos de ação conjunta, o que demonstra uma falta de planejamento para enfrentar os problemas.

"Por que será que as Forças Armadas demandaram um decreto que as blindam dos erros em suas ações, migrando a responsabilidade desses equívocos para a Justiça Militar? Elas tem plena clareza de que seus integrantes não são treinados para tomarem decisões individuais, eles são capacitados para tomada de decisão em grupos táticos, então o efeito será decorativo.

Jacqueline Muniz enfatiza ainda que o emprego continuado das Forças Armadas no policiamento levam uma perda da capacidade combatente por um lado, e não adquiram a capacidade policial por outra, ficando no meio do caminho.

"No Brasil, nós não desenhamos mecanismos de governabilidade das polícias para se fazer o que está na Constituição. Desde a redemocratização, não mexemos no poder de polícia, ele segue desregulado, num limbo procedimental, legal e normativo. A Constituição não define mandato de polícia, ela define monopólios no exercício do policiamento, numa espécie de reprodução “caduca” dos lobbies que foram feitos em 1988. Se tem um lugar que a Constituição Federal é fraca é no que diz respeito a segurança pública. Essa informalidade faz com que a polícia tenha vários patrões", avalia.

A professora afirma que a Polícia Civil está sendo "desmantelada por dentro". "Ajudei a implantar a sua principal base de dados integrada em 1999, com um software de análise criminal. Curiosamente isso está sendo desmontado, para que a informação seja pessoal, vendida e negociada, pois é uma mercadoria poderosa. O policial civil e militar é leiloado na esquina, tão inseguro quanto a população está o policial", reafirmou.