Prestes a ter um novo presidente, Cuba vive mudanças econômicas
O novo presidente de Cuba, que será eleito no dia 19 de abril pela Assembleia Nacional do Poder Popular – o parlamento cubano –, terá um grande desafio pela frente: a economia do país. Primeiro presidente cubano que participou da tomada do poder em 1959, o futuro chefe de Estado terá a tarefa de conduzir Cuba a mudanças econômicas que provocarão um forte impacto na sociedade.
Por Fânia Rodrigues
Publicado 02/04/2018 18:38
“Cuba enfrenta o desafio do desenvolvimento socialista”, diz o documento Conceitualização do Modelo Econômico e Social do Desenvolvimento Socialista, formulado pelo Partido Comunista Cubano em seu último congresso, realizado em novembro de 2017. O cenário político mundial mudou, as novas tecnologias criaram uma nova dinâmica social e surgiram necessidades econômicas ainda não manifestas no povo cubano.
O novo modelo econômico da ilha, segundo os documentos do partido, responderá às demandas atuais do processo revolucionário. “É imprescindível que a propriedade socialista se consolide como a principal, mas que possa coexistir com outras formas de propriedade e, assim, poder avançar em direção a uma sociedade socialista próspera e sustentável”, diz o documento.
Essa abertura econômica está sendo debatida publicamente desde 2009. Já em 2011, no 6º congresso do partido, foram aprovados os Alinhamentos da Política Econômica e Social do Partido e da Revolução, um documento que traçava o primeiro planejamento abordando a abertura. Depois, o texto foi levado à Assembleia Nacional (Congresso) e referendado.
A partir daí, iniciou-se um processo gradual que resultou em políticas de acesso pela população à internet banda larga, à telefonia celular e a modernização dos meios de comunicação cubanos, que entraram na era digital. A TV estatal cubana, Cubavisión, foi renovada e foi criado um novo sinal de TV chamado Canal Caribe, completamente digital e em alta definição. Em quatro meses, o sinal analógico começará a ser desligado e gradualmente será substituído.
O principal responsável por conduzir Cuba à era digital é o atual vice-presidente do país, Miguel Díaz-Canel Bermúdez. Desde 2013, quando foi eleito para o cargo de vice-presidente do Conselho de Estado da Assembleia Nacional, Díaz-Canel recebeu a missão de ser o executor das políticas estabelecidas pelo governo de Raúl Castro para a área da comunicação, que envolvia telefonia, internet e a modernização dos canais de televisão.
Agora, Díaz-Canel está prestes a receber outra tarefa, com uma responsabilidade histórica. Ele é o mais cotado para assumir a Presidência do país. Caso seja eleito pelo parlamento neste mês, ele conduzirá Cuba a uma nova era.
Pequenos negócios
O primeiro desafio do novo mandatário consiste em organizar e regular as atividades econômicas que surgiram nos últimos anos. Isso, porque o governo vem aumentando os registros dos chamados “negócios por conta própria”, que são as pequenas empresas privadas, como restaurantes, cafeterias, sapatarias, padarias, hortifrútis e lojas de modo geral.
Também se consolidaram os táxis particulares, aluguel de quartos e apartamentos para turistas e as cooperativas. Essas novas modalidades de comércio e serviços, que não existia formalmente nos primeiros 50 anos da Revolução Cubana, agora requerem regulação.
Os pequenos negócios privados se popularizaram em Cuba, segundo o jornalista Pedro Pablo Figueredo. “Os trabalhadores por conta própria já somam 22 mil pessoas, que estão fora das atividades dos Estado”, relata.
O jornalista afirma ainda que esses pequenos negócios dinamizaram a economia do país. “Antes, em Cuba, não era possível pensar em negócios de caráter privado. A vida demonstrou que o Estado não pode e nem necessita que todo o trabalho seja estatal. Existe a necessidade e, sim, é possível que desenvolvam atividades e que funcionem melhor no setor privado, como a parte de serviços, por exemplo. O Estado não pode se encarregar de uma barbearia, de uma sapataria, de um pequeno restaurante”, avalia Figueredo, que faz parte da chamada geração histórica, que fez parte da construção da Revolução Cubano nos últimos 60 anos.
Figueredo também chama a atenção para a necessidade de marco jurídico para essas novas funções e afirma que essas transformações provocarão uma reestruturação do Estado cubano.
“As mudanças que já estão caminhando e as que estão por vir exigirão a regulação das organizações econômicas, a reestruturação dos ministérios, de todas as atividades empresariais do país e regras para os investimentos estrangeiros, que consistem na pedra fundamental dessa próxima etapa do desenvolvimento do país”, observa. “Inclusive haveria que pensar em uma nova Constituição”, aponta o jornalista.
Diretor da Rádio Rebelde durante o Período Especial (anos 1990), hoje, Figueredo é radialista da Rádio Habana e jornalista da agência de notícias Prensa Latina, todos eles meios estatais; por seu trabalho, ele dialoga constantemente com funcionários do Estado e está a par dessas discussões.
Propriedade e Estado
O tratamento dado pelo Estado em relação à propriedade estatal e privada funciona como um divisor de águas na hora de diferenciar o Estado socialista do capitalista. Entre tantas diferenças, essa é uma que tem um peso fundamental e definitivo nessa divisão.
Em Cuba, as empresas responsáveis pelos grandes meios de produção são de propriedade coletiva, administradas pelo Estado. Isso não deve mudar, segundo os últimos documentos do Partido Comunista Cubano.
O jornalista Pedro Pablo Figueredo garante que esse é um modelo que continuará. “Cuba mantém como propósito fundamental que os meios de produção continuem nas mãos do Estado, entre eles a propriedade dos grandes recursos, o desenvolvimento industrial, a saúde, a educação. O Estado tem que ser capaz de fazer com que esses meios de produção funcionem de forma eficiente”, afirma.
Entretanto, alguns setores podem ter a natureza da propriedade modificada, é o caso da agricultura. “Mesmo depois de entregar terras a quem estava interessado em produzir alimentos, a produção é insuficiente para atender às necessidades da população. E o Estado tem de ser capaz de estimular, de propiciar as condições para produção de mais alimentos. O conceito de propriedade aí não é o fundamental. A prioridade é a produção”, acredita Figueredo.
Segundo o governo cubano, em 2016, o país importou mais de 60% dos alimentos que consumiu. Isso foi o que apontou o Anuário Estatístico Cubano 2017, divulgado pela Centro Nacional de Estatística e Informação.
Além disso, o relatório aponta que mais de 50% das terras cultiváveis encontram-se inutilizadas. Porém, quase todos os produtos agrícolas tiveram um incremento na produção, nos últimos três anos. Entre os grãos, o arroz teve aumento de 20% na produção em 2016, se comparado ao ano anterior. Grãos e cereais são os produtos que mais pesam na balança comercial dos alimentos cubanos.
Outro setor em que a propriedade deverá ser debatida é a indústria, sobretudo com a chegada dos investimentos estrangeiros. “O que os investidores estão interessados é em definir o grau de lucro e participação que o governo cubano na produção no setor da indústria”, revelou um diplomata que está em Cuba, mas que preferiu não identificar-se.
A necessidade de mudanças na economia coloca Cuba diante de uma nova encruzilhada em sua relação com o exterior. O contexto ainda persistente do bloqueio econômico estadunidense, a existência de duas moedas no país – uma em paridade com o dólar – e as novas relações comerciais e financeiras entre países são dilemas a serem enfrentadas neste novo mandato presidencial.