Juristas desmontam discurso em defesa da prisão em 2ª instância

Sob a fachada de defender a prisão em segunda instância para combater a impunidade, advogados, juízes e promotores entregaram um abaixo-assinado ao Supremo Tribunal Federal para pressionar a corte a manter a decisão que autoriza prisão automática após condenação em segunda instância.

Por Dayane Santos

Martonio Leonardo Isaac e Afranio - Reprodução

Apesar do discurso, fica evidente que a batalha está longe de ser uma preocupação com a “impunidade”, mas uma ação política de setores para pressionar o Supremo a indeferir o pedido de habeas corpus preventivo do ex-presidente Lula, que deve ser julgado nesta quarta-feira (4).

Ao entregar as assinaturas, o promotor Renato Varalda, do Distrito Federal, disse em entrevista que uma decisão do STF favorável a Lula poderá ter reflexos em outros casos pelo país.

“Havendo consolidação no Supremo de inviabilizar, impossibilitar a execução provisória a partir de decisão condenatória em segunda instância, isso se reflete por julgados do Brasil inteiro. E causa, claro, maior sentimento de impunidade, porque serão liberados estupradores, homicidas, latrocidas.”

O discurso do promotor Varalda é o mesmo utilizado pela grande mídia, principalmente a Rede Globo, em suas edições para criar um falso apelo popular afirmando que não prender o Lula em segunda instância vai representar a libertação de todos os condenados pela Justiça.

Juristas ouvidos pelo Portal Vermelho consideram a declaração do promotor Renato Veralda uma verdadeira aberração. O professor Afrânio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da UERJ, classificou a declaração do promotor como “falaciosa”, tendo como estratégia “o argumento do terror”.

“Não é sincera e acho até que não é honesta porque esses homicidas, estupradores e pedófilos podem ser presos não só quando condenados, como até na fase de inquérito, através da prisão preventiva – medida cautelar –, quer dizer: prisão que se mostra necessária”, rebateu o jurista.

Martonio Mont’Alverne, professor titular da Universidade de Fortaleza (Unifor), também concorda que a declaração do promotor é falaciosa, para insuflar uma campanha que pressione uma posição do Supremo pela manutenção da segunda instância.

“Isso é uma retórica oportunista e barata para ganhar o apoio popular impressionando pelo que não corresponde à verdade”, afirmou o professor.

Prisão cautelar

Afranio destaca que a presunção de inocência é um princípio constitucional. Porém, o juiz pode decretar a prisão preventiva, se demonstrar a necessidade de tal medida.

“Isso não tem nada a ver com impunidade. A questão da execução provisória é a prisão automática por efeito, pura e simples, do acórdão condenatório. Isso não é compatível com a presunção da inocência”, explicou, citando o artigo 283 do Código de Processo Penal e o artigo 105 da Lei de Execução Penal, que são expressos e exigem o trânsito em julgado para o cumprimento da pena.

“Repito: Isso não impede que se decrete prisão temporária, como já é praticado, e prisão preventiva, sem prazo pré-estabelecido no curso do processo, no momento da condenação ou depois da condenação. Só que não é prisão automática como efeito do acórdão da condenação. É prisão que demonstra a sua necessidade”, destacou Afranio.

O doutor em Direito Penal e professor Leonardo Isaac Yarochewsky disse que esse discurso da impunidade “é mentiroso, fascista, autoritário” e tenta enganar a sociedade e pressionar o Supremo Tribunal Federal.

“O princípio da presunção da inocência não altera isso. São medidas extremas que se baseiam na necessidade. A prisão em segunda instância não é uma decisão definitiva. Está sujeita a recurso e, portanto, a ser modificada”, acrescenta, citando ainda dados da Defensoria Pública que revelam que em cerca de 50% das decisões dos tribunais superiores são revertidas, o que significa que esse será o percentual de pessoas que estarão cumprindo pena injustamente.

“O que diz a Constituição: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória. Ora, trânsito em julgado é uma decisão definitiva da qual não cabe qualquer modificação. Qualquer leitura diferente disso é uma leitura equivocada. É uma leitura mentirosa, porque trânsito em julgado, na literalidade é exatamente a decisão definitiva”, afirma o professor Leonardo Isaac.

E acrescenta: “Enquanto couber recurso há a possibilidade de o réu ser absolvido. Já imaginou a grande injustiça que é uma pessoa condenada a oito, dez anos, é presa em razão de uma odiosa execução provisória e, por uma decisão dos tribunais superiores, é absolvida. Porém, ela já ficou presa por dois anos, por exemplo. Quem vai reparar isso?”, questionou.

Respeito ao princípio da presunção da inocência

De acordo com o professor da UERJ Afranio Jardim, quem defende a prisão somente após o trânsito em julgado da sentença não está agindo para promover a impunidade, pois nada impede a decretação da prisão preventiva.

“Esse discurso é falacioso. Não é verdadeiro”, frisou. “O que não se quer é que se prenda antes do trânsito em julgado, prisão que não se mostre necessária. Em latim é o chamado periculum libertatio, ou seja, perigo de ficar em liberdade até o final do processo. Havendo esse perigo, que se decrete a prisão preventiva”, afirmou.

O professor Martonio Mont’Alverne endossa essa tese e argumenta que no Brasil estupradores, latrocidas e homicidas já se encontram presos antes da condenação em primeiro grau, “por representarem uma ameaça ao processo”.

“Lamentável em todos os sentidos que o Poder Judiciário e membros do Ministério Público não observem a literalidade da Constituição, que é bem clara em seu artigo 5º, inciso LVII, e ratificada no artigo 60, que diz que a presunção da inocência é cláusula pétrea, não há como mudar isso. Lamentável que isso esteja sendo discutido. E mais lamentável ainda é que membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, ambos responsáveis por guardar a Constituição, não entendam isso e façam um apelo tão oportunista como esse.”