Cortázar para quem não leu

Não se aventure em Cortázar.

É minha dica.

Não o leia, não o dê audiência. Mas, se der, saiba de sua fraude como escritor, como contista e como pessoa.

Por Luiz Henrique Dias*

Júlio Cortázar - ilustração de Olavo Costa - Olavo Costa

Nasceu na Bélgica, cresceu na Argentina, morreu na França. Teve uma vida dedicada a assombrar a todos com suas sombras e a escrever sobre nossos medos e sobre tudo aquilo que desejamos.

Nos fez de bobos, nos apelidou – e a tantos – de cronópios e infantilizou nossos sentimentos.

Sua obra mais consagrada – o Jogo da Amarelinha – permite-nos muitas interpretações sobre algo até então simples, nos gera inconsistências, nos tira o chão, nos mata.

Tem um livro, o Final do Jogo, em que nos induz a uma armadilha, um beco, onde o primeiro conto é bobo, uma ratoeira, e as narrativas são como serpentes a nos enrolar e nos apertar até o fim do ar.

Mas eu quero pedir distância justamente de um livro, “Volta ao dia em 80 mundos”, especialmente ao Tomo II.

Um daqueles livros de banca, barato, pequeno, inofensivo aos olhos, que compramos para folhear num café ou num vagão qualquer de trem, para passar o tempo, ou para presentear alguém com carinho.

Ao contrário de outros livros, aqui Cortázar faz questão de nos mandar embora no primeiro texto, citando dezenas de nomes e coisas para nos espantar.

Se persistirmos, então ele nos afunda de vez em algo que seria conto se não fosse cotidiano ou seria crônica se não fosse absurdo.

As crônicas de uma vida absurda, ou os contos de um sonho cotidiano.

Em um dos textos – o que mais odiei, confesso – Louis Armstrong é o principal personagem, com seu sorriso. Noutro, Thelonious Monk toca seu piano em uma espelunca belga.

Em todo livro, Cortázar nos mostra o quanto é importante sermos nós mesmos e nos leva a achar que podemos confrontar a realidade das coisas, sermos esquizofrênicos consentidos, assumir o que somos num mundo posto.

Ele nos afunda na dúvida, nos ativa à loucura e – inclusive – em um dos textos, nos convida a sermos idiotas, a nos maravilhar com a vida, com a noite, com os risos.

Um livro arriscado, perigoso. Como toda a sua obra.

Se vale uma dica, uma sugestão, ou mesmo um conselho, recomendo distância desses livro e qualquer outro fragmento deste tal escritor de bestiários, um transgressor, alguém ruim ao mundo posto, pois nele passou e deixou uma fissura, uma fresta, uma oportunidade de vermos além do óbvio.