A luta contra a escravidão é também pela emancipação dos operários

Em novembro de 1864 Marx foi encarregado, pela Associação Internacional dos Trabalhadores, de escrever uma saudação a Abraham Lincoln pela sua reeleição à presidência da República dos EUA, acontecimento que Marx encarou como um passo progressista e democrático do interesse de toda a classe operária.

Lincoln - Divulgação

A Abraham Lincoln, Presidente dos Estados Unidos da América[N10]

22 – 29 de Novembro de 1864

Senhor,

Felicitamos o povo Americano pela sua reeleição por uma larga maioria. Se a palavra de ordem reservada da sua primeira eleição foi resistência ao Poder dos Escravistas, o grito de guerra triunfante da sua reeleição é Morte à Escravatura.

Desde o começo da titânica contenda americana, os operários da Europa sentiram instintivamente que a bandeira das estrelas carregava o destino da sua classe. A luta por territórios que desencadeou a dura epopeia não foi para decidir se o solo virgem de regiões imensas seria desposado pelo trabalho do emigrante ou prostituído pelo passo do capataz de escravos?

Quando uma oligarquia de 300 000 proprietários de escravos ousou inscrever, pela primeira vez nos anais do mundo, "escravatura" na bandeira da Revolta Armada, quando nos precisos lugares onde há quase um século pela primeira vez tinha brotado a ideia de uma grande República Democrática, de onde saiu a primeira Declaração dos Direitos do Homem[N11] e de onde foi dado o primeiro impulso para a revolução europeia do século 18; quando, nesses precisos lugares, a contra-revolução, com sistemática pertinácia, se gloriou de prescindir das "ideias vigentes ao tempo da formação da velha constituição" e sustentou que «a escravatura é uma instituição beneficente», [que], na verdade, [é] a única solução para o grande problema da "relação do capital com o trabalho" e cinicamente proclamou a propriedade sobre o homem como "a pedra angular do novo edifício" — então, as classes operárias da Europa compreenderam
imediatamente, mesmo antes da fanática tomada de partido das classes superiores pela fidalguia confederada ter dado o seu funesto aviso, que a rebelião dos proprietários de escravos havia de tocar a rebate para uma santa cruzada geral da propriedade contra o trabalho e que, para os homens de trabalho, [juntamente] com as suas esperanças para o futuro, mesmo as suas conquistas passadas estavam em causa nesse tremendo conflito do outro lado do Atlântico. Por conseguinte, suportaram pacientemente, por toda a parte, as privações que lhes eram impostas pela crise do algodão[N12], opuseram-se entusiasticamente à intervenção pró-escravatura — importuna exigência dos seus superiores — e, na maior parte das regiões da Europa, contribuíram com a sua quota de sangue para a boa causa.

Enquanto os operários, as verdadeiras forças políticas do Norte, permitiram que a escravatura corrompesse a sua própria república, enquanto perante o negro — dominado e vendido sem o seu consentimento — se gabaram da elevada prerrogativa do trabalhador de pele branca de se vender a si próprio e de escolher o seu próprio amo, foram incapazes de atingir a verdadeira liberdade do trabalho ou de apoiar os seus irmãos europeus na sua luta pela emancipação; mas esta barreira ao progresso foi varrida pelo mar vermelho da guerra civil[N4].

Os operários da Europa sentem-se seguros de que, assim como a Guerra da Independência Americana[N13] iniciou uma nova era de ascendência para a classe média [a burguesia – NR], também a Guerra Americana Contra a Escravatura o fará para as classes operárias. Consideram uma garantia da época que está para vir que tenha caído em sorte a Abraham Lincoln, filho honesto da classe operária, guiar o seu país na luta incomparável pela salvação de uma raça agrilhoada e pela reconstrução de um mundo social.

Notas de fim de tomo:

[N4] A Guerra Civil na América (1861-1865) opôs, nos EUA, os Estados industriais do Norte aos Estados escravistas do Sul, que se rebelaram contra a abolição da escravatura. A classe operária da Inglaterra opôs-se à política da burguesia inglesa, que apoiava os plantadores escravistas, e impediu a intervenção da Inglaterra na Guerra Civil nos EUA.

[N10] A Mensagem da Associação Internacional dos Trabalhadores ao presidente Abraham Lincoln dos EUA, por ocasião da sua reeleição, foi redigida por Marx por decisão do Conselho Geral. No auge da Guerra Civil esta mensagem teve uma grande importância. Sublinhou a enorme importância da guerra contra a escravatura na para os destinos de todo o proletariado internacional.

[N11] Trata-se da Declaração de Independência, adotada em 4 de Julho de 1776 no Congresso de Filadélfia pelos delegados das 13 colônias inglesas da América do Norte; o congresso proclamou a formação de uma república independente: os Estados Unidos da América. Nesse documento foram formulados princípios democráticos burgueses tais como a liberdade da pessoa, a igualdade dos cidadãos perante a lei, a soberania do povo, etc.

[N12] A crise do algodão foi provocada pela cessação do fornecimento de algodão vindo dos EUA, em virtude do bloqueio dos Estados escravistas do Sul pela Marinha dos nortistas. Uma grande parte da indústria algodoeira da Europa ficou paralisada, o que se refletiu duramente na situação dos operários.

[N13] A Guerra da Independência das colônicas inglesas na América do Norte (1775-1783) foi causada pela aspiração americana à independência e à supressão dos obstáculos que entravavam o desenvolvimento do capitalismo.

Fonte: Obras Escolhidas em três tomos, Editorial "Avante!"/Edições Progresso, Lisboa/Moscou, 1982. In http://www.marxists.org/espanol/m-e/1860s/1864lincoln.htm