Abolicionistas do século 21

“O desafio ao movimento negro é ampliar as mobilizações sociais, estimular a população a retomar o espírito de luta e coragem que se voltou contra os poderosos em finais do século 19”.

Por Edson França*

convergencia negra

O movimento abolicionista, apesar das controvérsias nas interpretações, se constitui numa grande experiência de luta dos movimentos sociais, foi pródigo em mobilizações de ruas, debates, embates e enfrentamentos, envolveu negros e brancos, escravos e trabalhadores livres, homens e mulheres, analfabetos e formados. Nesse processo se discutia a liberdade dos escravos e os alicerces para construção de uma nação republicana, democrática e desenvolvida. Nesse 13 de maio, em que se completam 130 anos da abolição do trabalho escravo no Brasil, vemos o país mergulhado na profundeza de uma crise econômica, política, social e institucional de grandes proporções. Vivemos sob o impacto da implantação de políticas socioeconômicas neoliberais e neocoloniais dignas de um governo antipatriótico. Os descendentes da Casa Grande tomaram o poder na marra, agora se voltam contra a nação e o povo que sempre odiaram.

O governo federal nas mãos de Michel Temer tem provado que é uma tragédia. O Brasil caminha no rumo inverso dos desígnios de promover igualdade de oportunidade entre os brasileiros – importante componente das promessas abolicionistas. O quadro é desolador, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, aumentou em 11% a pobreza no Brasil, atingindo 15 milhões de pessoas. A Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio – PNAD indica que no trimestre fechado em janeiro de 2018, o índice de desemprego chegou em 12,2%, equivalente a 12,7 milhões de brasileiros na rua da amargura, deles 63,7% são negros. O Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública denunciaram que ocorreram 60 mil homicídios no Brasil em 2017, ou seja, a cada 9 minutos alguém é assassinado no Brasil, desses, aproximadamente 35 mil são jovens entre 19 a 29 anos, sendo 78,9% negros (IPEA/Mapa da Violência). Temer tem se mostrado um exímio violador de Direitos Humanos, os direitos mais fundamentais, elementares, comezinhos, consensuais, como a vida e acesso ao trabalho não são devidamente observados.

Temer significa fracasso na política macroeconômica e voracidade revogatória ante as pequenas conquistas amparadas nas políticas de ação afirmativas, fartamente oferecidas nos governos Lula e Dilma, fruto da luta histórica do movimento negro: liquidação do ministério e das políticas de igualdade racial; encerramento do Brasil Quilombola, além de interromper o processo de reconhecimento e titulação de comunidades remanescentes de quilombos; boicote as reservas de vagas nas universidades e as cotas nos concursos públicos federais, tudo a margem das leis recém-aprovadas; ataque a Lei 10.639 ao reformar o ensino médio por decreto; revogação dos direitos trabalhistas recém-conquistados pelas empregadas domésticas. Apesar do consenso nacional da existência e incidência do racismo Temer se voltou contra todas as políticas sociais apresentadas com vista a construção efetiva cidadania da população pobre e negra.

Não há meios de completarmos o desiderato de Luiz Gama, Chiquinha Gonzaga, Castro Alves e todos abolicionistas, ilustres e anônimos, que marcharam unidos contra escravidão, com a Presidência da República nas mãos da Casa Grande. A classe dominante no Brasil está voltada para seus próprios privilégios e contra qualquer projeto de desenvolvimento da nação que se apresente viável aos trabalhadores e ao povo, trabalha para retroceder o Brasil a um grande latifúndio monocultor, como foi nos 322 anos sob o domínio de Portugal.

Diante do exposto, no momento em que completamos 130 anos da assinatura da Lei Áurea, os abolicionistas do século 21, como meio de completar os objetivos da abolição, tem a tarefa de derrotar nas ruas, nas redes e nas urnas os senhores de engenho e os barões do café, hoje seus homólogos compõe a aliança político-partidária que promoveu e dá sustentação ao golpe contra o governo Dilma (especialmente PSDB, MDB e DEM). Os promotores e juízes da Lava Jato e parcela majoritária do STF, juntos asseguraram meios institucionais e prenderam injustamente o ex-presidente Lula, e a Rede Globo, é a expressão pública do pensamento da classe dominante.

O desafio do movimento negro é ampliar as mobilizações sociais, estimular a população a retomar o espírito de luta e coragem que se voltou contra os poderosos em finais do século 19, tomar as ruas, praças, campos de futebol, bailes, feiras, escolas, universidades, etc. e denunciar o caráter golpista que predomina no governo federal e em algumas instituições do Estado.