Venezuela: uma vitória numa batalha que nunca tem fim

Tínhamos que ganhar e o fizemos. Pela quarta vez em menos de um ano. Se diz que é fácil, vive-se de forma heroica. O que acontece agora já era previsto: no cenário internacional se multiplicam os ataques, ameaças, insultos, a partir do Grupo de Lima, dos Estados Unidos e até da União Europeia.

Por Marco Teruggi

Nicolás Maduro - Efe

Sabíamos que esta segunda-feira (21) seria mais difícil que o domingo das eleições, e que cada dia por vir seguramente será ainda mais. Ganhar tem um custo alto quando se está sob assédio de uma guerra que entrou em nossas casas, ruas e subjetividades. Uma vitória significa uma violência redobrada que anunciam publicamente.

Isso estava no imaginário dos dias anteriores à votação, e durante todo o dia de votar. Tanto no chavismo, como nos esquálidos opositores. No primeiro caso como elemento central para não se render, não entregar o país a quem sem ter tomado o poder político já demonstra até onde é capaz de chegar – e isso é só o começo. No segundo caso, e em particular dos que chamavam à abstenção, como um mal necessário. Chegaram à conclusão de que a única maneira de terminar com o chavismo – que reduzem a um governo e uma massa de pobres ignorantes – é através do colapso econômico e da intervenção estrangeira.

Sabíamos então que hoje viriam, como aconteceu, novos anúncios internacionais. Estes têm sido preparados desde que decidiram que sua estratégia seria esvaziar as eleições. É certo que acrescentarão o bloqueio econômico como já anunciou o governo norte-americano, resta saber como se traduzirá o não reconhecimento internacional à vitória para além da retórica, e se buscarão novos golpes finais. O anterior, entre abril e julho, lhes deixou um salto de derrotas que ainda os mantém em crise.

Por que ganhamos no domingo? Pro razões de política e classes sociais. Nos lançamos com força unitária num candidato único, com um discurso democrático coerente com a história chavista, com a presença de Chávez, a dimensão do que estava sobre a mesa, e uma base social que estima-se ser um terço da população. Neste último ponto entra a questão de classe, que nestas eleições foi gratificante novamente. Darei como exemplo um caso que aconteceu em La Vega, bairro popular de Caracas que tem nos pés do morro zonas de classe média: quanto mais pra cima, mais humilde, mais votantes, quanto mais pra baixo, menos votantes, até as zonas de classe média de El Paraíso, que eram mais isoladas. Às cinco da tarde havia colas na parte alta do morro, de onde Caracas parece uma cidade distante. O corte de classes foi nítido, o chavismo como identidade se assenta sobre todos os setores populares, retaguarda e vanguarda.

Se ganhou também porque os adversários não tinham peso suficiente. Henry Falcón, de tradição traiçoeira, não mediu o que pensava e sua proposta trapaceira de dolarização não calou. Bertucci emergiu, só isso para ele já é uma vitória. Maduro era mais candidato que eles, o chavismo é mais que eles. A diferença de votos está ali, grande, mais de 4 milhões de votos entre Maduro – com 6.157.185 – e o segundo, Falcón, com 1.909.172, que em seu discurso abriu a porta do não reconhecimento dos resultados. O que dirão os opositores que afirmavam que era um candidato que havia posto o mesmo chavismo? Falcón soma duas derrotas em sete meses, a primeira como governador em outubro, a segunda no último domingo. Periga sua perspectiva política, e ele sabe, lançar cartas desesperadas que possam trazer risco de violência.

A diferença entre ambos foi então muito maior que o previsto. Quanto à participação, 45% da população, é importante vê-la em dois níveis. Ao ser medida em parâmetros internacionais – as participações no Chile e na Colômbia, por exemplo – está maior que nestes países. Um esclarecimento se faz necessário, porém: a direita abstencionista conduzida a partir do estrangeiro ia alegar fraude com qualquer número que Maduro tivesse tido como ganhador, isso já estava anunciado. A participação medida em termos nacionais nos abre outras possíveis conclusões. Em primeiro lugar, que a campanha pela abstenção das principais forças opositoras teve impacto em sua base social, e em segundo lugar que uma parte dos setores populares, do chavismo, não foram votar. Contestar por quê este último aconteceu implica acertar as possíveis respostas sobre como voltar a se aproximar do voto e da participação de quem se distanciou.

Estão postas duas hipóteses: diria que uma é a situação material – que impacta em cheio nos setores populares e as classes médias baixas – e como se construíram, ou não, respostas para esta situação. A segunda é a prática política do chavismo, suas formas de fazer política, em particular a direção, diante deste quadro prolongado de dificuldades, de retrocessos materiais.

Podemos dizer que o chavismo votou, conquistou um triunfo necessário, e deixou descontentamentos acumulados. Ganhar nesta situação econômica e política representa ainda mais sobre essa vitória alcançada. A resposta a esta situação não virá somente de Nicolás Maduro. Não significa que o presidente, a direção cívico-militar, não tenham um papel central a cumprir, que só eles podem fazer algumas ações – políticas de estado, decisões de governo, medidas políticas – mas que o chavismo como um todo tem que encontrar formas de reverter esta situação. Que vão fazer os diferentes partidos políticos, os movimentos sociais, as comunas, os conselhos de trabalhadores, por exemplo? Que política e estratégias de poder, disputa e mobilização tem neste quadro de onde virão mais golpes internos e externos? Depositar a gloria e o mal em uma só pessoa não é justo. O chavismo necessita de todo o chavismo para combater esta situação.

Estamos em um grande momento da grande batalha, a guerra que declararam contra nós. No dia 20 era imprescindível para o chavismo e conquistou a vitória, que devemos destacar pelas dificuldades nas quais se construiu. Não haverá trégua: agora terá violência econômica redobrada, ensaios de novas formas para chegar ao poder político que não conquistaram com votos. A urgência? A economia, um diagnóstico conhecido. Com que medidas e atores pode-se resolver? Aí está a pergunta para o grande plano. Mas no último domingo fizemos história.