Metade dos paulistanos não aceita demonstrações de afeto entre LGBTs
Pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência, em parceria com a Rede Nossa São Paulo, indica que a capital paulista ainda é uma cidade hostil à população LGBT – sigla para lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, travestis e outras identidades de gênero.
Publicado 23/05/2018 11:48
Embora se registrem avanços na aceitação, por exemplo, do casamento homoafetivo e de políticas públicas para essa parcela da população, ainda é grave a rejeição às demonstrações de afeto em locais públicos ou na presença da família dos entrevistados.
O trabalho faz parte dos recortes setoriais da pesquisa Viver em São Paulo, que a Rede Nossa São Paulo vem apresentando mês a mês.
“A principal constatação é que São Paulo é hostil à população LGBT. A pesquisa mostra que quanto mais distante são as questões LGBT com relação à população maior a aceitação”, explicou Américo Sampaio, coordenador de Projetos da Rede Nossa São Paulo.
O indicador criado pela organização para servir de modelo para a construção de uma série histórica apresentou um resultado preocupante em sua primeira apresentação. O indicador de LGBTfobia – termo cunhado para designar o ódio contra a população LGBT – foi de 0,46, praticamente no meio da escala indicativa que vai de 0 (mais favorável) a 1 (menos favorável).
“Em pleno 2018, confesso que nós esperávamos um resultado melhor. Mas o índice tem por objetivo servir de base para buscar uma situação melhor ano após ano”, disse Jorge Abrahão, coordenador da Rede Nossa São Paulo.
Segundo a pesquisa, 50% dos entrevistados avaliam que a cidade é tolerante à população LGBT. Ao mesmo tempo, 51% e 46% disseram ter vivido ou presenciado discriminação contra LGBTs em espaços públicos ou no transporte público.
Além disso, enquanto pouco mais de 50% dos entrevistados são favoráveis ao incentivo à inclusão dos LGBTs no mercado de trabalho, ao uso do nome social por pessoas trans e a adoção de crianças por casais homossexuais, 43% são contra demonstrações de afeto, como beijos e abraços, em locais públicos.
Para o professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Renan Quinalha, os dados lembram uma pesquisa sobre racismo, em que a imensa maioria diz conhecer racistas, mas nega ser.
“São Paulo é uma cidade LGBTfóbica, sem ter pessoas LGBTfóbicas. É uma contradição interessante. É na demonstração de afeto que as visões moralistas afloram e as pessoas manifestam preconceitos”, afirmou.
Quinalha também considerou sintomática a revelação de que 74% dos paulistanos avaliam que a prefeitura faz muito pouco ou nada pela população LGBT. “Nós que trabalhamos com o tema sabemos que as políticas existem. Mas são realmente muito tímidas e feitas para não ser vistas. Assim não se desagrada certos grupos de pressão”, avaliou.
Para o professor, a leve propensão à tolerância demonstrada no indicador de LGBTfobia “é fruto de décadas de lutas que levaram à constituição de coordenadorias em muitos governos e a implementação de políticas, ainda que tímidas”.
A doutora em Teoria e Crítica Literária pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Amara Moira assinalou o fato de que apenas 3% dos 800 entrevistados se declararam homossexuais. “Vendo os resultados é possível entender porque as pessoas preferem se esconder”, afirmou.
Ela comentou as dificuldades de conseguir trabalho sendo travesti, mesmo após a defesa de seu doutorado. “Quando me identificava como homem, recebi uma oferta de emprego no início da graduação para dar aula. Agora preciso que a instituição tenha coragem para me contratar”, afirmou.
Para ela, apesar do resultado da pesquisa, a situação na capital paulista ainda é bem mais favorável do que no resto do país. “Tive de sair de Campinas para poder ser quem sou. Não que São Paulo seja super acolhedora. Mas aqui somos tantas que conseguimos nos organizar e nos impor”, desabafou.
O educador Rafael Cristiano, que realiza discussões sobre masculinidades com jovens em escolas do extremo sul da cidade, considera que houve melhora na aceitação da homossexualidade entre os adolescentes. “Quando eu era jovem, eu era a ‘bichinha’ da turma, apanhava. Hoje percebo que os jovens na periferia têm mais abertura para assumirem sua sexualidade e que isso não é tão alvo de chacota ou violência. Essas análises precisam olhar para as especificidades dessa cidade”, argumentou.
A doutora em Sociologia do Direito Evorah Cardoso lembrou que o Estado brasileiro não produz estatísticas sobre a população LGTB. E que assim é praticamente impossível desenvolver políticas públicas efetivas. “É surreal que tenhamos de comemorar uma pesquisa sobre a população LGBT. Mas até hoje o Estado não é capaz de produzir dados. E com isso faz as políticas públicas que dá. E nunca pelo Legislativo, nunca com força de lei, o que torna essas políticas muito frágeis”, criticou.