Era Uma Vez na União Soviética…

Nesta quinta-feira (14) começa a Copa do Mundo da Rússia com os anfitriões enfrentando a Arábia Saudita no Estádio Luzhniki, antigo Estádio Central Lenin. Com o início do Mundial, chega ao fim o “Era uma vez na União Soviética”. E o nosso passeio por histórias do futebol do país-sede da Copa em seus tempos soviéticos se encerra falando sobre os os impactos que as reformas perestroika e glasnost’ tiveram no futebol soviético.

Por Emanuel Leite Jr.*

Futebol urss

Os impactos da perestroika e glasnost’ no futebol soviético

Na edição passada do “Era uma vez na União Soviética”, contamos que na União Soviética, além do Partido Comunista, as organizações de massa eram parte essencial do sistema revolucionário. Por isso, logo após o triunfo Bolchevique, os clubes de futebol passaram a ser integrados ao sistema estatal, com cada agremiação representando alguma sociedade esportiva que era operada por instituições do país. Estrutura que só iria ser alterada nos anos 1980, já sob a liderança de Mikhail Gorbachev. As reformas implementadas por Gorbachev na economia (perestroika) e a abertura política (glasnost’) tiveram repercussão direta nos clubes de futebol, bem como em toda a estrutura esportiva soviética.

Em 1986, o Instituto de Economia e Finanças de Leningrado publicou um artigo sobre a necessidade de reestruturação do futebol soviético. O texto abordava, mais precisamente, a estrutura na qual se encontravam inseridos os clubes do país, indicando que estes deveriam se tornar entidades autossuficientes. O Estado agora já não pretendia mais ser responsável pelo financiamento das companhias e instituições. A ideia era que estas se tornassem autossustentáveis, adotando práticas que não sendo de todo capitalistas, sem acesso total ao livre mercado, mas que estabelecessem relações que permitissem aos clubes a independência financeira.

A questão não passava pela profissionalização dos clubes, pois sempre se soube, desde o início do Campeonato Soviético, que os jogadores eram pagos e apenas os mais românticos dos torcedores é que acreditavam que os atletas defendiam os clubes por conta de suas ligações com os órgãos ou empresas a que estavam relacionados. Tratava-se mais de um processo de comercialização. Não haveria mais o controle e o apoio das instituições estatais, era preciso caminhar para um sistema de esporte comercial.

Algumas das fontes de receitas projetadas eram a bilheteria, quadro de sócios, venda de produtos relacionados ao clube e também patrocínio. Em 1987 foi criado um órgão, Sovintersport, para cuidar dos acordos que os clubes viriam a fazer com empresas estrangeiras. E as primeiras marcas de empresas Ocidentais começariam a aparecer nas camisas dos times soviéticos.

O Dnipro Dnipropetrovsk, da Ucrânia, foi o pioneiro na adoção de medidas comerciais. Era o clube ideal para se submeter às experimentações das novas medidas, uma vez que não era ligado a nenhum grande ministério, nem tinha um grande patrono. O Dnipro foi também o primeiro clube a remunerar seus jogadores com valores diferentes, variando de acordo com a importância/qualidade de cada um. Inicialmente, os ucranianos foram bem sucedidos e conquistaram o título soviético em 1988. A experiência, entretanto, mostrou-se fracassada já em 1990, quando o Dnipro não conseguiu gerar as receitas que havia planejado em seu processo de profissionalização.

Seja como for, a medida foi adotada logo de seguida por clubes como Spartak Moscou, Zenit Leningrado, Ararat Yerevan, Dínamo Tbilisi e Shakhtar Donetsk.

Como conto no livro “A história do futebol na União Soviética”, a abertura também previa como fonte de renda para os clubes as vendas dos jogadores. Assim, os futebolistas soviéticos começaram a ser vendidos para clubes da Europa Ocidental. Em junho de 1987, o Torpedo Moscou negociou Sergey Shavlo com o Rapid Viena, da Áustria.

No ano seguinte, o “êxodo” dos futebolistas soviéticos se intensificou. O veterano craque Oleh Blokhin, um dos maiores jogadores da história da União Soviética, trocou o Dínamo Kiev pelo Vorwärts Steyr, também da Áustria. O Dínamo Kiev, no mesmo ano, vendeu o meio-campista Oleksandr Zavarov à Juventus de Turim por US$ 5 milhões. Ainda em 1988, o Spartak Moscou aceitou a transferência do então melhor goleiro do mundo, Rinat Dasaev, para o Sevilla por US$ 2 milhões e também negociou o defensor Vagiz Khidiatulin com o Toulouse, da França. Tendência que se manteve nos últimos anos de existência da União Soviética.

Após o colapso soviético, os clubes aprofundaram o processo de profissionalização e mercantilização, transformando-se em empresas e passando a ter donos privados, algo que foi contado na edição da semana passada do “Era uma vez na União Soviética”.