Trump e Kim mostram que realismo é um santo remédio

Se as duas temporadas de Fauda no Netflix ajudam a entender melhor o conflito entre Israel e os palestinos, quem quer saber mais da Guerra da Coreia precisa ver The Battle of Chosin (A Batalha de Chosin), documentário no mesmo serviço de streaming. Numa era em que as pessoas têm, e dão, opinião sobre tudo, é útil conhecer sobre o que se opina.

Por Alon Feuerwerker*

Trump e Kim - Foto: Shealah Craighead/Casa Branca

Na represa de Chosin, o exército americano que se deslocava já na Coreia do Norte rumo à fronteira da China é contido e tem de se retirar num inverno duríssimo e sob o fogo de tropas chinesas vindas em socorro do aliado. O resto da história está nos livros: os soldados do Tio Sam recuaram até o paralelo 38 e o fim da guerra recompôs o status quo de antes dela.

A Guerra da Coreia (1950-53) começou com o Norte invadindo o Sul, tentando reunificar sob o comando do avô de Kim Jong-un, o comunista Kim II-sung, a península dividida entre Moscou e Washington ao final da Segunda Guerra. A vitória parecia ao alcance de Pyongyang quando os EUA, sob a bandeira da ONU, conseguiram desembarcar no único bolsão ainda a salvo.

Aí os americanos passaram a empurrar de volta, e atravessaram a fronteira original no paralelo 38. Quando a vitória e a consequente ocupação militar da Coreia do Norte pareciam ao alcance, a China cruzou a divisa e quem teve de recuar foram os EUA. E o estado de guerra permanece até hoje entre Norte e Sul porque ambos os lados desconfiam que o outro quer eliminá-lo.

Do que depende então a paz na península coreana? Da aceitação estratégica do status quo. É o tipo de problema comum nas relações internacionais. A solução técnica é relativamente simples, pois os intelectuais já dissecaram todo o leque de alternativas. Mas nada acontece se não houver um alinhamento dos astros políticos. O que em geral é bem menos simples de conseguir.

Um acordo definitivo de paz na península coreana está mais próximo do que nunca desde a guerra, porque interessa a todo mundo ali. A capacidade militar norte-coreana eleva demais o custo, material e humano, de um projeto de conquista bélica pelos Estados Unidos e Coreia da Sul. E sempre tem a China do outro lado da fronteira para reequilibrar o jogo.

Pelos mesmos motivos, apenas vistos ao contrário, a reunificação do país sob a ação militar e a liderança de Pyongyang é inviável. Então está criado o ambiente ideal para uma solução, já que nenhum dos lados conseguirá impor na marra sua vontade. Por esse acordo, a Coreia do Norte deixa de ser uma ameaça e recebe em troca compromissos de segurança e prosperidade.

Uma paz definitiva entre Norte e Sul encaixa-se hoje nos planos do Norte, do Sul, da China, da Rússia e do Japão. A opção dos Estados Unidos seria continuar a pressionar pelo “regime change”, mas Washington parece cada vez menos disposta a gastar dinheiro com essas coisas, desde que naturalmente os interesses americanos sejam preservados.

Claro que tudo pode desandar, mas as forças centrípetas aqui são poderosíssimas. Claro que tem o “risco-Líbia”, os norte-coreanos aceitarem a desnuclearização e se darem mal lá na frente. Mas a diferença entre os dois casos é definitiva: quando veio a intervenção da Otan, Gadafi não tinha do outro lado da fronteira um aliado estratégico como a China no qual se apoiar.

Há alguma continuidade entre as visões de Donald Trump e Barack Obama. Ambos foram eleitos presidentes dos Estados Unidos num tempo em que os eleitores dali já estão meio fartos de pagar a conta, em dinheiro e vidas, do papel de polícia do mundo. A diferença é que Obama adotou uma linha de apaziguamento, enquanto Trump prefere o velho “Si vis pacem para bellum”.

Se queres a paz prepara-te para a guerra. Mostra força decisiva e traz o adversário para a mesa de negociação. Talvez o mundo esteja diante de uma oportunidade única para resolver velhas e duras pendências. Os americanos não se metem (muito) na vida do sujeito e o sujeito concorda com um status quo que não confronte decisivamente os interesses americanos.

Realismo, amigos, realismo. Dá para resolver assim o problema entre Israel e os palestinos, acabar com o isolamento do Irã e até desfazer o nó venezuelano. Reconhecer a realidade dos fatos costuma ser mesmo um santo remédio. Vale para a vida pessoal, familiar, profissional. E vale muito para as relações internacionais. #FicaaDica.