Sousa Júnior – Os sem comunicação: Um erro continuado da esquerda

“Infelizmente, os 13 anos de governo popular não foram suficientes para alterar esse quadro, não se promoveu uma democratização da mídia, engavetando-se as cerca de 700 propostas formuladas na I Conferência de Comunicação (COFECOM, 2009); não se fortaleceu um sistema público ou estatal para se contrapor ao monopólio privado e não se estimulou o fortalecimento da mídia independente através da destinação das verbas publicitárias para esse fim”.

Por Sousa Júnior*

Meios de comunicação no México

O que há em comum entre os sem terra ou sem teto e os trabalhadores organizados em sindicatos é a ausência de uma rede de comunicação independente, popular, capaz de dialogar com a sociedade e de se contrapor à mídia golpista, conservadora e hegemônica. A boa prática da esquerda de fazer autocrítica de erros cometidos no passado ainda não a despertou para priorizar a luta de ideias, que passa necessariamente pela construção dessa rede.

O sociólogo e escritor Wanderley dos Santos, em entrevista publicada pelo jornal Brasil de Fato, em 17/04/2018, afirmou que “a situação atual é bem pior do que a de 1964. Na época havia uma pluralidade de veículos e meios de comunicação, não só de jornais, mas inclusive de rádios. Existiam alternativas de informação e de formação da opinião. Tanto que na iminência do golpe de 1964, apenas o jornal O Globo e o Correio de Manhã no Rio de Janeiro se demonstraram favoráveis. E tinham jornais mais combativos, como o A Última Hora, que disputavam com o leitor a opinião política sobre os acontecimentos”.

E ele continua: “Hoje você tem, para efeitos práticos, uma só linha, porque o sistema Globo, a Folha e o Estadão, são variedades da mesma “uva amarga”. Então não temos meios de difusão de ideias divergentes hoje. Isso sem mencionar o papel fundamental que a rede de televisão, praticamente monopolizada pelo Sistema Globo, desfruta hoje, um meio de comunicação que era irrelevante em 1964. Houve a opinião de grande parte da população brasileira formada a partir do jornalismo da Globo e pronto, de modo que a diferença é abismal”.

Infelizmente, os 13 anos de governo popular não foram suficientes para alterar esse quadro, não se promoveu uma democratização da mídia, engavetando-se as cerca de 700 propostas formuladas na I Conferência de Comunicação (COFECOM, 2009); não se fortaleceu um sistema público ou estatal para se contrapor ao monopólio privado e não se estimulou o fortalecimento da mídia independente através da destinação das verbas publicitárias para esse fim.

Com o golpe de 2016, resta-nos construir essa mídia popular de forma independente. Mas os sindicatos, que poderiam fortalecer essa mídia, sempre se limitaram a produzir apenas seus próprios meios de comunicação, que sequer atingem o conjunto de suas bases. Daí o drama atual, sem a contribuição sindical, agora usam o argumento da redução de verbas para se recusarem a contribuir com meios coletivos de comunicação. Não conseguem enxergar que depende da comunicação a sua própria sobrevivência nesses tempos de crise e de golpe.

A nível nacional há exceções como a Rede Brasil Atual, formada por três FMs e uma TV aberta (TVT), sediada em São Paulo e sustentada por entidades sindicais, sobretudo pelos bancários da capital e metalúrgicos do ABC. Mas no resto do País não há iniciativas similares. No Ceará, embora existam centenas de entidades sindicais filiadas à CUT, CTB, UGT, Intersindical, Força Sindical etc., apenas três sindicatos cutistas contribuem para o único programa de rádio que é veiculado diariamente em uma rede de emissoras e compartilhado por canal de YouTube e por dezenas de páginas de Facebook, no caso o Democracia no Ar.

Enquanto não houver uma autocrítica na prática em relação à comunicação a esquerda pode até ganhar posições políticas relevantes, como conquistou durante 13 anos de governo, mas continuará a perder batalhas na permanente luta de ideias, que não se transmitem por telepatia nem surgem por geração espontânea, pois precisam de meios coletivos de comunicação capazes de dialogar com a sociedade em geral e não apenas com públicos específicos.


*Sousa Júnior é publicitário e dirige o programa Democracia no Ar.

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