A segurança na fronteira vem de uma política externa ética
Os horríveis relatos de famílias imigrantes sendo separadas inspiraram americanos comuns a saírem às ruas, pedindo o fim das cruéis políticas de detenção da administração Donald Trump.
Por Danny Glover e Ro Khanna*
Publicado 10/07/2018 16:15
Mas enquanto as recentes ações do presidente Trump levaram a um encarceramento chocante e brutal de crianças, às prisões em massa e à criminalização de imigrantes, as questões que levam migrantes e refugiados desesperados até nossas fronteiras se estendem por muitas décadas.
Os progressistas devem aproveitar este momento histórico para enfrentar a longa relação disfuncional dos Estados Unidos com seus vizinhos latino-americanos e caribenhos e construir laços novos e mais consolidados.
Há meio século, Martin Luther King Jr. afirmou que "uma verdadeira revolução de valores logo nos levará a questionar a equidade e a justiça de muitas de nossas políticas passadas e presentes".
Ao se dirigir ao hemisfério ocidental, King disse: “olhe para nossa aliança com a nobreza latifundiária da América do Sul e diga: 'Isso não é justo'”. Agora é hora de tal revolução de valores: ao rompermos decisivamente com a política norte-americana de longa data, podemos aliviar a violência e a miséria ao sul de nossas fronteiras, para que as pessoas possam finalmente levar uma vida digna em comunidades estáveis em todas as Américas.
De fato, veja a década de 1980, quando ditaduras militares e milícias de direita na América Central – armadas, treinadas e continuamente apoiadas pelos Estados Unidos – mataram centenas de milhares de pessoas em El Salvador, Guatemala e Nicarágua, provocando uma onda de migração para os Estados Unidos. Ou olhe para o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), pró-corporativo, que deslocou milhões de mexicanos do setor agrícola, entrincheirando a pobreza e contribuindo para uma onda de imigração mexicana para os Estados Unidos.
A decisão da administração Trump de acabar com as proteções para dezenas de milhares de imigrantes haitianos é apenas o mais recente golpe para um país que já teve dois de seus governos eleitos derrubados com o apoio dos EUA em um período de 13 anos. E em Honduras, hoje uma das principais fontes de crianças refugiadas desacompanhadas, foram os Estados Unidos que ajudaram a garantir o sucesso de um violento golpe militar em 2009 contra o presidente eleito Manuel Zelaya, desencadeando uma enxurrada de repressão e deslocamento.
Esse padrão de comportamento, amplamente ininterrupto, ameaça agora mergulhar no caos o maior país da América Latina, o Brasil. A política dos EUA contribuiu para um ataque da direita à democracia no país, levando à retirada inconstitucional da presidenta Dilma Rousseff em 2016.
O que se seguiu – o assassinato da proeminente vereadora afro-brasileira Marielle Franco, em março deste ano, e a atual prisão do popular ex-presidente Lula da Silva (amplamente vista como uma tentativa de impedi-lo de concorrer nas próximas eleições, à qual enquetes mostram que ele ganharia por uma grande margem) – fica escancarado frente aos direitos humanos e os interesses dos Estados Unidos.
Uma visão progressista para o hemisfério, então, deve primeiro acabar com qualquer apoio militar dos EUA a governos repressivos em toda a América Latina e Caribe. Segundo, como o presidente Trump alegremente cogitou uma “opção militar” para a Venezuela, devemos parar a busca do intervencionismo e da mudança de regime contra os governos que Washington não gosta e, em vez disso, apoiar negociações pacíficas.
Finalmente, uma política hemisférica humana também deve rever os pactos de comércio e investimento dominados pelas corporações que roubam as nações de sua agência econômica. No Capitólio e em toda a América Latina, os primórdios da revolução moral articulada por Martin Luther King Jr. estão finalmente emergindo.
Na esteira da histórica eleição do candidato de centro-esquerda do México, Andrés Manuel López Obrador, por exemplo, os líderes do Comitê Parlamentar Progressista aplaudiram sua visão de relações internacionais que se afastam da “guerra e hegemonia”. Os democratas da maior bancada baseada em valores da Câmara prometeram avançar princípios de respeito mútuo como base para trabalhar com a nova administração do México para acabar com a crise de refugiados, a hiper-militarização da lei e a insensata guerra às drogas.
Setenta democratas do Parlamento pagaram tributo à Berta Cáceres, ativista ambiental hondurenha que foi assassinada, ao co-patrocinar a Lei Berta Cáceres sobre Direitos Humanos em Honduras. Em uma ruptura com a política típica dos EUA em relação à América Central, este projeto suspenderia toda a assistência de segurança dos EUA às forças militares e policiais do país até que sua impunidade terminasse e os direitos dos sindicalistas, jornalistas, defensores dos direitos humanos, ativistas LGBTQ e as comunidades afro-indígenas sejam protegidos.
Em vez de recuar para o isolacionismo, os progressistas estão propondo uma revisão das regras de investimento em toda a América Latina e no Caribe. Padrões trabalhistas e ambientais robustos e vinculantes para elevar os salários e acabar com a terceirização; um processo transparente e democrático para o desenvolvimento da política comercial; o fim dos privilégios legais secretos e dos tribunais antidemocráticos para as grandes corporações, consagrados em acordos como o NAFTA; e investimentos para que comunidades carentes em todos os nossos países possam pavimentar o caminho para uma cooperação econômica genuína, que priorize os trabalhadores e a proteção dos recursos naturais dos quais eles dependem.
Não há dúvida de que as imagens de crianças sofrendo em nossos centros de detenção exigem que contestemos as políticas abusivas dessa administração. Mas também deve nos inspirar a refletir sobre como curar o deslocamento massivo e a desigualdade econômica que assolam a América Latina e o Caribe, e fortalecer nossa determinação de construir um mundo mais equitativo no século XXI. Ao nos afastar de uma política atual de controle hemisférico dos EUA, os progressistas estão criando uma alternativa desesperadamente necessária: uma liderança americana digna dos nossos ideais mais elevados – que promove nossa própria soberania, respeitando a de nossos vizinhos e que promove a segurança genuína para nossos povos.