Golpe afastou o Brasil das metas de desenvolvimento da ONU

Em profunda crise política, econômica e social, o Brasil se afasta cada vez mais das metas de desenvolvimento sustentável propostas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para 2030 após a gestão desastrosa de Michel Temer (MDB) e do Congresso Nacional ultraconservador que fazem país andar para trás.

pobreza, fome, desigualdade - Marcello Casal/Agência Brasil

Em profunda crise política, econômica e social, o Brasil se afasta cada vez mais das metas de desenvolvimento sustentável propostas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para 2030.

É o que mostra o relatório Luz 2018, organizado pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil (GTSC) para a Agenda 2030, acordo entre representantes de 193 países membros da ONU que se comprometeram a adotar medidas para o desenvolvimento sustentável em todo o mundo após conferência realizada em 2015.

Na ocasião, foram estabelecidos os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODs) e 169 metas sociais e ambientais que visam erradicar a pobreza e promover uma vida digna a todos os cidadãos.

Formado por 40 membros de diferentes entidades da sociedade civil brasileira, como Ação Educativa, Agência Pública, Artigo 19, Rede Nossa São Paulo e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), entre outras, o GTSC alerta que o Brasil trilha um caminho muito diferente do desejado para alcançar as metas que se comprometeu perante o mundo a cumprir em quinze anos.

Acabar com a pobreza e com a fome, reduzir a desigualdade dentro e entre os países, assegurar uma educação inclusiva e uma vida saudável e de bem-estar para todos, assim como água e saneamento básico, são alguns dos principais objetivos. Alcançar a igualdade de gênero, promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres e tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima são outros pontos importantes elencados entre os objetivos.

Prejuízo da austeridade

Alessandra Nilo, representante da Gestos (Soropositividade, Comunicação e Gênero), entidade que, em conjunto com o Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), organizou o relatório, acredita que a partir do documento será possível prosseguir o monitoramento da Agenda no Brasil, já que apresenta uma substanciosa análise de diferentes políticas públicas.

“Esse relatório mostra que nos últimos três anos o Brasil já está na contramão das ODSs, fato que é resultado de uma política de ajuste fiscal tomada lá atrás. Decisões sobre como equacionar o déficit orçamentário do país na verdade implicam na derrubada de direitos e no desinvestimento em áreas super estratégicas pro país”, comenta Nilo.

De acordo com ela, o trabalho do GTSC pode ser uma base importante para a formulação de novas políticas públicas e para informar candidatos que participarão do pleito eleitoral no mês de outubro.

“É um relatório que também mostra esse descompasso entre o que se afirma como sendo um país que promove direitos, que avança – que é o discurso governamental – mas quando vemos na prática e analisamos as políticas e os orçamentos, assim como os conjuntos de leis aprovados no Congresso Nacional, é o contrário", aponta Alessandra.

"Independente dos discursos que façam os governos, os parlamentares, as medidas tomadas são contrárias ao que o Brasil acordou em fazer quando assinou a Agenda 2030 para o movimento sustentável”, critica a coordenadora da Gestos, que também destaca o descompromisso absoluto do Estado brasileiro com as populações indígenas e quilombolas.

Mazelas sociais

A cada um dos ODs foi dedicado um capítulo específico no relatório Luz 2018, com dados atualizados seguidos de recomendações da sociedade civil. O documento expõe, por exemplo, que logo no primeiro objetivo, a erradicação da pobreza, o Brasil segue o caminho oposto.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), divulgada pelo IBGE, há um acelerado crescimento da pobreza nos dois últimos anos –período posterior ao do golpe parlamentar que derrubou o governo de Dilma Rousseff e inverteu a agenda política do governo federal.

Os dados mostram que, em relação à extrema pobreza, o país voltou aos números de 2005 e, em relação à pobreza, aos de 2009. “Houve uma perda que se deu bem mais rápido do que o tempo levado para avançar. A pesquisa mostrou ainda que os 10% mais bem remunerados detinham 43,3% da massa de rendimentos, enquanto os 10% de menor renda ficaram com apenas 0,7% desta. O 1% mais rico teve rendimento 36,1 vezes maior do que o rendimento médio da metade de baixo da pirâmide social”, diz o relatório.

Altos índices de desemprego fazem parte deste cenário de retrocesso. O GTSC afirma que o crescimento do número de trabalhadores desocupados chegou a 12,7% em 2017, contradizendo a tendência que vinha sendo mantida até 2014.

Nas últimas duas décadas, o crescente acesso a alimentos pela população pobre garantiu que, pela primeira vez na história, o Brasil deixasse o Mapa da Fome, em 2014.

O documento pontua que a ascensão social anterior àquele ano foi impulsionada por melhores índices de emprego, pela formalização do trabalho com aquisição de direitos, pela recuperação do salário mínimo e pelo fortalecimento da transferência de renda para a população em maior vulnerabilidade por meio do Programa Bolsa Família.

Decisivas para enfrentar a insegurança alimentar e nutricional, ações como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a Política Nacional de Assistência Técnica (PNATER), foram essenciais para que o país saísse do Mapa da Fome, mas, atualmente, esses programas são vítimas do desmonte de políticas para a agricultura familiar e camponesa.

Entre 2014 e 2018, a dotação orçamentária para o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), sofreu queda de 81%, conforme dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Governo (Siop).

Como resultado, hoje, o país corre o risco de retornar à lista de nações que permitem que a população sofra com falta de alimentos.

Cena do documentário Histórias da Fome no Brasil, de 2015. Foto: Ascom/MDS

Das 169 metas da Agenda 2030, o relatório analisou 121. Joara Marchezini, coordenadora de Acesso à Informação da Artigo 19, ressalta o feito das mais de 38 organizações que conseguiram diagnosticar a atual situação do Brasil em relação aos ODS, já que não é em todos os países que a sociedade civil consegue se mobilizar para tal análise.

“O país regrediu em todas as metas analisadas, isso é bastante grave. Se realmente queremos cumprir todos esses objetivos até 2030, não estamos no caminho certo. Precisaríamos ter uma virada drástica em algum momento porque nesse ritmo e nessa direção, não conseguiremos”, afirma Marchezini.

A coordenadora da Artigo 19 critica ainda a ausência de dados relacionados a diversas metas, o que dificulta ainda mais a criação de políticas públicas específicas para essas demandas.

É o que acontece em relação as políticas para igualdade de gênero, um dos ODS. Em contrapartida ao estipulado pela Agenda 2030, o Luz 2018 aponta que o Brasil ocupa a quinta posição global em número de homicídios de mulheres, é o quarto lugar em números absolutos de mulheres casadas até a idade de 15 anos, além de ser o país que mais mata mulheres transexuais e travestis. Outro dado apresentado é ainda mais chocante: 70% das vítimas de estupro correspondem a meninas de até 17 anos.

Em relação ao ODS 6, que visa assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos, o cenário também é de atraso. Joara enfatiza que apenas 44,9% de todo o esgoto produzido no país é tratado e coletado e que todos os índices estão estagnados ou pioraram desde 2015. São 34 milhões de pessoas no país sem água tratada, o que reflete diretamente na proliferação de doenças.

“Com a dificuldade de acessar água potável, temos um aumento do número de doenças transmitidas pela água que afetam principalmente as crianças e temos todo um impacto também na alimentação saudável, no trabalho, na educação. Observando os objetivos de forma conjunta, quando não temos água e saneamento, isso com certeza reflete na qualidade de vida das pessoas de alguma forma”, complementa.

Retrocesso

O relatório também reforça que a Emenda Constitucional 95, que limita o aumento dos gastos públicos à variação da inflação por vinte anos, assim como as reformas trabalhista e previdenciária, projetos propostos pelo governo Temer, aprofundam ainda mais o cenário de profunda desigualdade no qual se encontra o país e perpetuam o crescimento da extrema pobreza e da fome.

“Várias cláusulas da reforma trabalhista são claramente contrárias ao que prega a Agenda 2030. A proposta de reforma previdenciária também, porque a Agenda 2030 promove uma assistência social para todas as pessoas que precisam de segurança social e o Brasil não faz isso”, reforça Alessandra Nilo.

Joara Marchezini cita que o relatório analisa a transparência e o combate à corrupção no país, o que evidenciou que há uma clara redução dos órgãos de controle e de políticas de participação.

"Uma coisa que transpassa todos os objetivos é a falta de participação política nos temas. Vemos isso quando falamos da PEC dos Gastos em educação e saúde, quando falamos sobre as mudanças de licenciamento ambiental que estão sendo feitas a toque de caixa, sem participação, sem diálogo e sem transparência”.

Segundo avaliação da coordenadora, a perspectiva do Brasil na Agenda 2030 não é positiva. “Nesse cenário atual, com o caminho que temos trilhado, em 2030 não atingiremos os objetivos. Se não tomarmos uma providência e mudar o rumo das políticas públicas no Brasil, teremos índices piores do que tínhamos quando assinamos os objetivos do desenvolvimento sustentável. É muito alarmante a situação em que estamos nesse sentido. Não só não cumprimos o que prometemos em relação à melhora da qualidade de vida das pessoas e respeito aos direitos humanos, como pioramos os índices a cada ano”, opina Marchezini.