Publicado 23/07/2018 12:07
Reduzir o déficit público é, inegavelmente, tarefa prioritária. Não para o governo Temer, por suposto. O máximo que o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, conseguirá no pouco tempo que lhe resta é conter a “farra fiscal” em curso no Congresso. Vai sobrar para o governo que vier a ser eleito em outubro.
Como se sabe, o déficit conduz à ampliação de uma dívida que já é elevada. Só uma parte pequena pode ser financiada com base monetária sobre a qual não incidem juros. O grosso do déficit nominal é coberto por ampliação do endividamento. Este vem crescendo continuamente nos anos recentes, levando a dívida bruta do governo geral a 77% do PIB no fim de maio.
O problema não está apenas na dimensão e tendência de crescimento da dívida. O perfil do endividamento público, em termos de custo e prazos médios, não é dos melhores. Nada menos que 35% da dívida do setor público (inclusive operações compromissadas do Banco Central) vence em até um ano. A taxa média de juro é de 9% (taxa implícita na dívida bruta do governo geral, acumulada em 12 meses até maio).
Como enfrentar o problema? O quadro descrito brevemente nos parágrafos anteriores tem levado alguns economistas, inclusive assessores de candidatos à Presidência, a proclamar a necessidade de medidas fiscais drásticas a curto prazo para estancar o crescimento da dívida.
Cálculos relativamente simples levam à conclusão de que, para alcançar a estabilização da dívida como porcentagem do PIB, seria preciso adotar uma política fiscal draconiana a partir de 2019.
Factível? Não acredito. Por duas razões. Primeiro, o ajuste fiscal, seja por meio de corte de despesas, seja por meio de aumento de tributos, sempre atinge algum interesse constituído. Atacar muitos desses interesses ao mesmo tempo pode revelar-se inviável para o novo governo. É verdade que o presidente eleito virá com a força das urnas. Mas enfrentará um Congresso fragmentado e problemático, para dizer o mínimo.
Segundo, ainda que seja politicamente viável realizar um grande ajuste fiscal a curto prazo, há que se considerar a situação cíclica da economia brasileira. Depois de uma recessão profunda em 2015-16, a economia ficou praticamente estagnada em 2017-18. O desemprego está em nível elevadíssimo. Como imaginar que a economia suportaria um ajuste fiscal draconiano?
Ao cortar demanda diretamente (por meio de diminuição de gastos governamentais) ou indiretamente (por meio de diminuição da renda disponível do setor privado), a política fiscal acabaria derrubando ainda mais os níveis de atividade e de emprego. E, quanto maior a queda da atividade econômica, mais difícil seria assegurar o equilíbrio das contas públicas.
Diante dessas dificuldades, não falta economista para vaticinar o “colapso das contas públicas” e o “caos econômico”. Calma, Betty, calma! O diabo talvez não seja tão feio quanto se pinte.
Convém examinar os dados com cuidado. Não se deve perder de vista que a dívida líquida do setor público é muito menor do que a bruta. Em maio, alcançava 51% do PIB. O crescimento da dívida bruta reflete, em grande medida, a acumulação de ativos pelo setor público, sobretudo reservas internacionais e créditos junto ao BNDES.
Outro ponto importante: a dívida pública é preponderantemente interna (95% do total). O grosso das obrigações é denominado em moeda nacional e está nas mãos de residentes. Apenas 6% da dívida bruta tem a taxa de câmbio como indexador.
Os investidores externos (não residentes) detêm apenas 12% da dívida federal interna. A base de investidores é mais estável do que, por exemplo, na Argentina, onde grande parte da dívida pública interna foi comprada por investidores estrangeiros.
Em resumo, a situação fiscal, embora grave, não é inadministrável. O governo não está à beira da falência, como se afirma às vezes. Isso permite um ajuste fiscal gradual, consistente com a retomada do crescimento econômico.
A dívida continuaria a crescer a curto e médio prazo como proporção do PIB. Mas, se o novo governo for capaz de iniciar a implementação de um programa sólido de médio prazo, ancorado em regras críveis de ajustamento, não há motivo para apostar em colapso ou caos.