Gustavo Guerreiro: Existe futuro sem Ciência?

"Ao que tudo indica, a criminosa interferência internacional já cumpriu seu papel de cooptação interna no Brasil. O corte das bolsas da Capes é somente uma etapa de um processo que representa muito mais do que o abandono de futuros pesquisadores e jovens promessas”.

Por *Gustavo Guerreiro

Sem os investimentos que vinha recebendo antes dos cortes, o Brasil não poderia ter saído na frente na pesquisa sobre anencefalia causada pelo vírus zika - PORTAL BRASIL

Uma crise sem precedentes (ainda maior que a atual) está para se abater neste país combalido desde o golpe de 2016. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) referente a 2019, que prevê o corte no orçamento global do MEC para despesas não obrigatórias em cerca de 11%, significará o fim da pesquisa científica básica no Brasil. Segundo o Conselho Superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), serão atingidos 200 mil bolsistas em todo país. Trata-se de uma etapa fundamental do projeto de desmonte sistemático do Estado brasileiro, objetivo do consórcio golpista do governo Temer e o PSDB, em sintonia com as teses de subordinação aos ditames do imperialismo. Mas qual é a importância de se investir em pesquisa?

A ciência e a tecnologia são a chave do progresso e desenvolvimento de qualquer nação. As duas áreas desempenham um papel fundamental na criação de riqueza, melhoria da qualidade de vida e crescimento econômico real e transformação em qualquer sociedade. A relação entre Ciência e Tecnologia (C&T) afeta decisivamente diferentes segmentos da vida, como alívio da pobreza, saúde, agricultura, energia acessível, abastecimento de água, gestão ambiental, crescimento econômico, desenvolvimento rural e educação. Na literatura política especializada, a lacuna entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos é amplamente atribuída ao nível de domínio tecnológico e à facilidade/dificuldade para sua aplicação.

Em 2017 a então presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, Helena Nader, durante palestra proferida na Universidade de Brasília (UnB), criticou duramente o corte de quase 50% do governo federal para orçamento da pesquisa científica. Ressaltou o desmonte da política de investimentos, que provoca dependência tecnológica e subordina o país a interesses externos, refletindo na tomada de importantes decisões estratégicas. A dependência científica e tecnológica fere, portanto, a soberania nacional.

Políticas públicas de investimento em pesquisa na área de C&Tsão fundamentais para estimular a demanda por conhecimento no setor privado contribuindo para um ambiente econômico estável, comércio, investimentos, políticas de crédito e de direitos de propriedade intelectual. Essas políticas podem incluir o aprofundamento da tecnologia, aumentar a vinculação entre indústria e universidades e parcerias público-privadas, estabelecer proteção para o conhecimento local e incentivos fiscais para empresas engajadas em pesquisa e desenvolvimento, além de estimular "clusters" de indústrias com base no conhecimento científico e tecnológico adquirido com essas pesquisas. A pesquisa científica é a base para o desenvolvimento.

No caso brasileiro, cerca de 30% das riquezas são geradas graças ao setor agroindustrial, que não se destacaria mundialmente sem o investimento em pesquisa nas áreas de biotecnologia e engenharia genética, especialmente com o protagonismo da Embrapa no âmbito do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária – SNPA, constituído por instituições públicas federais, estaduais, universidades, empresas privadas e fundações que produzem pesquisas em todo o país em campos do conhecimento científico. Também a Embraer e a Petrobras, duas gigantes da indústria nacional, são fruto de investimento intensivo em pesquisa científica. Também se destaca o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq que, dentre outras iniciativas, foi criado para capacitar o Brasil para o domínio da energia atômica. O domínio do ciclo atômico é tema de importância estratégica. Hoje é relegado pelo consórcio golpista, inclusive com a prisão de um do principal cientista nuclear brasileiro, o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, pela operação Lava Jato. Foi graças ao almirante Othon que Brasil passou a figurar entre os poucos países que dominam a tecnologia nuclear.

Ainda que precário, não fosse o investimento em pesquisa científica, o país estaria em patamares socioeconômicos ainda piores. Os Estados Unidos, a locomotiva da economia mundial, só conseguiram tal hegemonia mediante fortes investimentos públicos em C&T, principalmente em capital humano. A principal potência mundial se desenvolveu através da encomenda da indústria militar, química e aeroespacial aliada com importantes centros de pesquisa.

Ao que tudo indica, a criminosa interferência internacional já cumpriu seu papel de cooptação interna no Brasil. O corte das bolsas da Capes é somente uma etapa de um processo que representa muito mais do que o abandono de futuros pesquisadores e jovens promessas. Desenha-se, paralelamente, uma gigantesca fuga de cérebros, que resultará na subordinação de pesquisadores periféricos aos centros de pesquisa de países centrais: a chamada integração subordinada. O próprio poder judiciário, grandes conglomerados de mídia e amplas forças da direita reacionária, moralista, antipopular e antinacional, aparentemente desconectados do brutal jogo de interesses que celebra a derrocada do projeto nacional de desenvolvimento soberano e autônomo, assumiram a tarefa de sabotar o desenvolvimento científico nacional e, portanto, o futuro da nação.

*Gustavo Guerreiro é doutorando em Políticas Públicas e pesquisador do Observatório das Nacionalidades

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