Jornal Nacional só destacou fake news do governo sobre ONU-Lula

Por despreparo ou diversionismo, Itamatary e Ministério da Justiça do governo Temer desqualificaram a decisão da ONU e insinuaram que o Comitê de Direitos Humanos foi aparelhado. O principal jornal da Globo repercutiu as "mentiras e ofensas" , segundo a assessoria de Lula, e escondeu a versão da defesa.

Por Cíntia Alves

Jornal Nacional

Apesar no impacto no cenário nacional e internacional, a notícia de que o Estado Brasileiro foi obrigado pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU a garantir os direitos políticos de Lula e sua participação na eleição presidencial deste ano ganhou míseros 1 minuto e 26 segundos no Jornal Nacional nesta sexta-feira (17).

Por volta das 15h, a defesa de Lula concedeu uma coletiva de imprensa onde explicou a várias emissoras de TV o motivo que leva o Brasil a ter de encarar o comunicado da ONU como uma decisão judicial, e não uma "recomendação". Mas o principal jornal da Globo escondeu de seu público essa entrevista dos advogados de Lula e só repercutiu os posicionamentos de órgãos do governo Temer que mais parecem Fake News, para usar o termo da moda.

O JN sequer se deu o trabalho de produzir uma matéria sobre a determinação da ONU. A notícia foi lida rapidamente pelos apresentadores, com destaque para as notas do Itamaraty e do ministro da Justiça Torquato Jardim. Por despreparo ou diversionismo, ambos os órgãos do governo Temer trataram de desqualificar a ONU e insinuaram que o Comitê de Direitos Humanos foi aparelhado.

As fake news

Um dos âncoras do JN leu ao vivo a nota do Itamaraty que diz que não recebeu da ONU, em momento algum, qualquer aviso prévio ou "pedido de informação" acerca da decisão liminar, como se estivesse totalmente alheio ao que está em pauta no órgão internacional.

Ocorre que a liminar foi concedida pelo Comitê da ONU nesta sexta (17) no âmbito de um processo em que o governo Temer, em nome do Estado Brasileiro, já se manifestou mais de uma vez. Ou seja, o Itamaraty tem conhecimento da ação em questão. O que ocorreu foi que, sem analisar o mérito dessa reclamação feita por Lula contra os abusos da Lava Jato, a ONU concedeu uma decisão liminar, portanto em caráter emergencial, para garantir que o ex-presidente não tenha nenhum direito prejudicado de maneira irreversível (no caso, ser excluído da eleição), enquanto o processo na ONU não é julgado no mérito – fato que só se dará no próximo ano. O JN não explicou nada disso.

A defesa de Lula, aliás, lembrou que o Estado Brasileiro já foi notificado para permitir que se tome qualquer medida que venha a prejudicar direitos fundamentais do ex-presidente.

Ainda reproduzindo o Itamaraty, o JN divulgou: "As conclusões [da ONU] têm caráter de recomendação, não têm efeitos jurídicos." Entrando na posição do ministro da Justiça, reforçou: "(…) a decisão da ONU não tem relevância jurídica."

Na entrevista concedida pelos advogados de Lula, porém, ficou claro que o Brasil não foi obrigado a aderir ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, tendo reafirmado esse compromisso em 2009. Fez isso de maneira voluntária, e a consequência é que se submeteu à jurisdição dos órgãos internacionais que tomam decisões com base nesse pacto. É o caso do Comitê de Direitos Humanos da ONU.

Inclusive, no julgamento no Supremo da ADPF 320, que envolve a Lei da Anistia, a Procuradoria Geral da República defendeu o efeito vinculante das decisões internacionais quando há tratados assinados pelo Brasil. Assim sendo, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são obrigados a respeitar as determinações e cumprir os requerimentos.

Ignorando esse fato, o ministro da Justiça emplacou – com ajuda do JN – a ideia de que a decisão da ONU é uma "intromissão política e ideológica indevida em tema técnico legal" que compete exclusivamente ao Brasil e que existe "manipulação sectária" no Comitê, que "não é integrado por Países, mas por peritos que exercem a função de forma pessoal."

Primeiro, se o Brasil aderiu voluntariamente ao Pacto Internacional, já se submeteu a determinações da ONU em outros casos e, ainda por cima, respondeu ao processo que Lula move atualmente no Comitê de Direitos Humanos sem questionar a jurisdição da corte internacional, não há que se falar em "intromissão indevida".

Ademais, não dá para reclamar da "intromissão" ao sabor da crise. Romper com o tratado requer um procedimento que levaria, no mínimo, 3 meses, de acordo com o Decreto 311/2009.

Além disso, a ideia de que há "manipulação" e agentes decidindo de "forma pessoal" é uma tentativa clara de desqualificar o Comitê, inclusive manchando sua imagem de independencia e competência técnica.

Em verdade, e isto não foi lido pelo Jornal Nacional, a nota do Alto Comissariado da ONU sobre a decisão do Comitê em favor da candidatura de Lula diz que o colegiado é formado por especialistas independentes.

São 18 membros "de alto caráter moral e reconhecida competência no campo dos direitos humanos" que "são eleitos para um mandato de quatro anos pelos Estados partes, de acordo com os artigos 28 a 39 do Pacto." Ou seja, eles são eleitos por 18 países diferentes, incluindo EUA, Tunísia, Itália, Portugal, Paraguai, África do Sul, Egito, França, Japão, Canadá, Alemanha, Israel e outros. O Brasil não tem cadeira no Comitê.

O JN repercutiu que eles decidirem de "forma pessoal", dando a entender, pela linha do ministro da Justiça, que foram subjetivos e que são manipuláveis, mas a ONU afirma que eles "servem em sua capacidade pessoal [por conta do conhecimento exibido em seus currículos] e podem ser reeleitos se nomeados", por seus respectivos países.

Neste link aqui é possível conferir nome, a nacionalidade e o vasto currículo de cada um dos 18 membros.

Apesar da explicação do Alto Comissariado sobre o Comitê ser um órgão técnico e independente, a Folha destaca que a liminar de Lula foi assinada pelos relatores Sarah Cleveland e Oliver de Frouville.

Assessoria de Lula reclama de mentiras

Em nota pública, a assessoria de Lula disse que o JN deu apenas 15 segundos para a decisão mais importante, do Comitê da ONU, e usou 45 segundos "para uma nota mentirosa do Itamaraty e mais 20 segundos com declarações do ministro da Justiça ofensivas à ONU".

A assessoria ainda expôs a íntegra da nota que o PT enviou ao jornal:

"Desde 2009, o Brasil está obrigado, por lei, a cumprir as decisões do Comitê de Direitos Humanos da ONU, como esta que determina o direito de Lula disputar as eleições. É o Decreto Legislativo 311 do Congresso Nacional. O resto é falsidade. O ministro da Justiça mostrou que não conhece a Justiça. E o Itamaraty mostrou que não respeita os tratados internacionais. É vergonhoso que o Brasil tenha chegado a este vexame mundial, como consequência da perseguição a Lula."

O âncora do telejornal leu apenas a frase "o ministro da Justiça mostrou que não conhece a Justiça."