Alexandre Lucas: Trocaria no Gesso, um desafio que tem história

“É indispensável conhecer as histórias, as peculiaridades de cada lugar e suas formas de organização. Esse, talvez, seja o tempero que possa unir o saber elaborado com a prática social dos indivíduos para gerar novas formas de pensar e de se organizar com o povo”.

Por Alexandre Lucas*

Alexandre Lucas: Arte para além dos artistas

Resgatar a história possibilita compreender percursos e desafios. É pertinente evidenciar a historicidade da Trocaria como uma das principais ações do Coletivo Camaradas, na Comunidade do Gesso, no Crato (CE), que remete ao processo de desenvolvimento e organização comunitária.

A primeira vez que o Coletivo teve contato com a expressão "Trocaria" foi em Brasília, em 2008, durante o "Teia" – Encontro Nacional dos Pontos de Cultura, numa ação do Programa de Interferência Ambiental (PIA). O encontro funcionou como uma espécie de Coletivo/rede de artes visuais, ligado ao Circuito/Centro Universitário de Cultura e Arte (CUCA) da União Nacional dos Estudantes (UNE). A atividade era bem simples: consistia numa banca com os mais diversos produtos, de livros a bugigangas, que eram trocados, e as trocas eram registradas num livro de ata.

Foi a partir desta experiência com o PIA/CUCA da UNE que surgiu, em 2013, a ideia de realizar a Trocaria na Comunidade do Gesso. Ela surgiu como uma estratégia política de pensar formas de organização, mobilização e desenvolvimento territorial.

O troca-troca, como foi apelidado inicialmente pelos moradores, tinha como propósito fazer com que eles próprios, no decorrer do tempo, assumissem a ação para si e fossem os protagonistas, tornando o papel do Coletivo secundário na ação.

Diversas iniciativas foram feitas no sentido de dialogar e articular com os moradores. Como o Coletivo não tinha sede na época, as reuniões eram realizadas na ONG Projeto Nova Vida. Percebendo a baixa participação dos moradores, foram repensadas as reuniões para o espaço onde era realizada a Trocaria, Largo do Gesso, no entanto, a frequência deles continuou baixa. Ainda foi insistido em "reuniões de calçada", aquela calçada que tinha mais pessoas era a escolhida, mas também não obtivemos êxito. Houve uma série de insistências para que os moradores se envolvessem nesta construção.

Paralelamente a esses desafios, a Trocaria vai tomando forma e ganhando uma dimensão simbólica significativa para o Coletivo Camaradas e a comunidade.

A Trocaria já nasceu como algo para ser além de um momento de trocas apenas. Outras atividades foram sendo agregadas à ação, como ações lúdicas, apresentações artísticas, serviços, distribuição de mudas e reivindicação de melhorias para a comunidade.

Essa visibilidade ocorreu por conta do trabalho de envolvimento de diversos sujeitos sociais e de instituições governamentais, como é o caso de secretarias municipais, universidades públicas e particulares, além de coletivos, artistas e intelectuais. Outro fator foi a construção de uma narrativa que evidenciasse o lugar a partir de suas peculiaridades e potências criativas. O uso das redes sociais e a produção de materiais para imprensa serviram para evidenciar esse processo de articulação comunitária.

Foi a partir destas primeiras tentativas, com equívocos e acertos, que começamos a refletir sobre algumas questões, como o processo de ocupações do território e sua estratificação social, as narrativas externas e internas do lugar, a construção de novas narrativas a partir do processo de “desinvisibilização” territorial e apresentação da sua potência criativa, criação da rede do Território Criativo do Gesso. A Roda de Poesia e a intervenção urbana “Poste Poesia” também nasceram como ações que tiveram início na Trocaria.

A Trocaria enquanto feira era apenas um espaço de trocas e isso nos fez repensar algumas coisas, dentre elas a falta de participação dos moradores como pessoas organizadoras da ação e a pouca procura pelas trocas, mesmo tendo uma periodicidade mensal da ação.

Passamos por um intervalo de cerca de um ano para refletir sobre a nossa prática e amadurecer novas possibilidades para Trocaria. Em 2017, começamos a pensar a Trocaria a partir de uma feira de sustentabilidade. A expressão sustentabilidade, nesse contexto, significa a garantia da geração de renda para a manutenção das ações do Coletivo, dos seus integrantes e dos moradores da comunidade do Gesso.

Começamos a usar denominação de “Trocaria – Feira de Sustentabilidade” e se alinhar à perspectiva de Economia Solidária e Economia Criativa sem perder de vista o viés político que deu origem à criação da Trocaria, ou seja, estratégia política de pensar formas de organização, mobilização e desenvolvimento territorial. Desde o início em 2013, buscamos o apoio metodológico e teórico das universidades para tentar acertar.

Ainda temos muito a aprender com a dinâmica da realidade concreta, as narrativas e as subjetividades humanas para pensar os processos de organização comunitária. Certamente não será uma receita acadêmica ou uma carta de boas intenções que proporcionarão as mudanças dos lugares, mesmo sendo imprescindível o arcabouço teórico e as melhores intencionalidades. Por isso é indispensável conhecer as histórias, as peculiaridades de cada lugar e suas formas de organização. Esse, talvez, seja o tempero que possa unir o saber elaborado com a prática social dos indivíduos para gerar novas formas de pensar e de se organizar com o povo.

Uma coisa é certa: Chico e Maria daqui sabem o que é mungunzá! Sabem fazer, sabem comer e sabem vender e esse talvez seja o seu melhor caviar.


*Alexandre Lucas é pedagogo e integrante do Coletivo Camaradas.


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