Venezuela acerta nas medidas econômicas em meio à tormenta

Estabilizar. Esta palavra condensa o anseio de milhões. Que a economia deixe de ser centro de batalhas e retrocessos. Estabilizar preços, dólar, abastecimento de medicamentos, transportes, luz. É o centro do debate na Venezuela quando não há acontecimentos catastróficos que buscam destruir o cenário. O último foi a tentativa de assassinar o presidente com drones. Seguido de outro, menos divulgado, conhecido como Operação Caín que também buscava assassinar o dirigente chavista.

Por Marco Teruggi

Bolívar Soberano - Reuters

O governo elaborou um conjunto de medidas econômicas para enfrentar a situação. Serão implementadas por passos, uns já foram dados, outros aconteceram neta segunda-feira (20), outros serão em setembro e ainda outros mais adiante. Trata-se de uma jogada maior em um cenário onde o tempo está correndo.

A primeira decisão foi a derrogação da lei do regime cambiário e seus ilícitos, o chamado controle de câmbio, aprovado em 2003 para enfrentar a fuga de capitais. Qualquer pessoal natural ou jurídica poderá agora transferir seus recursos livremente, para isso, serão abertas trezentas casas de câmbio no páis.

Um dos objetivos da medida é atrair remessas, capitais, gerar um mercado de dólares alimentado pelos empresários e não pelo Estado através dos dólares gerados pela produção petroleira. Outro objetivo que tem elementos econômicos e políticos: o paralelo/ilegal aumenta aceleradamente diante de cada cenário eleitoral e dificuldade política da direita.

Em segundo lugar, foram eliminados cinco zeros da moeda a partir desta segunda: o bolívar soberano vai substituir o bolívar forte. Esta medida teria, entre outras coisas, um efeito na disponibilidade de dinheiro efetivo nas mãos das pessoas, que atualmente se encontra a menos de 1% da liquidez monetária. Esse desabastecimento, criado pelo contrabando de dinheiro a partir da Colômbia e a especulação desatada pela escassez, gerou um mercado paralelo de vendas de cédulas – compradas normalmente a 200% acima de seu valor.

A reconversão monetária é implementada junto à ancoragem do bolívar ao Petro, a criptomoeda criada pelo governo no começo do ano. O Petro tem seu valor ligado ao preço do barril de petróleo, hoje acima de 60 dólares: uma variação do preço do petróleo impactará sobre o Petro e, em consequência o bolívar.

A decisão tomada pelo governo foi estabelecer o valor de um Petro em 360 milhões de bolívares fortes, ou seja, 3.600 soberanos, e colocar o salário em meio Petro. O salário mínimo passa, desta forma, de 50 bolívares soberanos a 1800. Isso supõe, por sua vez, reconhecer como referência de tipo de câmbio o dólar paralelo e não o que era produto do oficial Sistema de Divisas e de Câmbio Complementar, como sua consequente desvalorização.

Em terceiro lugar, será implementada em setembro a medida relacionada à gasolina. Segundo declarações oficiais, perde-se mais de 12.000 milhões de dólares anuais pelo contrabando ilegal de gasolina da Colômbia nas mãos de máfias colombianas – ligadas ao paramiliatarismo – com cúmplices dentro da Venezuela. Para enfrentar este quadro serão tomadas duas ações conjuntas: um subsídio direto para quem tenha um veículo e a internacionalização do preço da gasolina. Assim se buscará quitar a rentabilidade do contrabando e evitar que o custo caia sobre as diferentes áreas da economia nacional.

Existem outras medidas, como o aumento de 16% do IVA [Imposto de Valor Agregado] sobre o consumo de luxo, a cobrança de 1% sobre as transações financeiras de contribuintes especiais e a decisão do governo de cobrir as folhas de pagamento de pequenas e médias empresas por três meses devido ao reajuste salarial.

Os anúncios trazem perguntas, principalmente relacionadas com os preços, que aumentam cerca de 100% mensalmente e colocam em xeque todo o incremento salarial. Segundo o governo, será possível frear a hiperinflação devido à ancoragem do bolívar ao Petro, o golpe no mercado do dólar paralelo com a derrogação dos ilícitos cambiários, o reconhecimento do preço do dólar paralelo atual para estabelecer o cálculo, os três meses de apoio à pequena e média empresa, e o subsídio direto ao combustível e a ativação dos mecanismos de fiscalização do Estado junto à controladoria social e popular.

Contra este prognóstico se encontram o impacto que terá a desvalorização, a reação em cadeia que poderia ter o próximo aumento da gasolina ainda com o subsídio, a dúvida sobre o desaparecimento do mercado paralelo que impacta diretamente nos preços, a impossibilidade de firmar acordos com os oligopólios que são parte vertebral da desestabilização econômica, e a lógica especulativa transversal desatada na economia.

Existe um ponto mais, central: as medidas se dão em um contexto de um violento conflito político/econômico tanto nacional como internacional. Os Estados Unidos colocaram em marcha de forma declarada o aumento de sansões, ou seja, ataques, para bloquear a economia venezuelana. Buscarão agora dobrá-las para evitar todo tipo de estabilização econômica, continuarão com o degaste e irão trabalhar sobre as consequências que isso gerar.

Contam para isso com aliados venezuelanos e internacionais, como é o caso da Colômbia, onde se anunciou, logo após a visita do Secretário de Defesa estadunidense, que receberá a embarcação USS Comfort, sob o pretexto de “missão humanitária” para a Venezuela. Evo Morales denunciou o envio de “invasão encoberta do governo dos EUA”.

Nos próximos dias e semanas será vista a evolução destas medidas. O governo joga uma de suas principais cartas em um ponto crítico que é a economia. Seu objetivo principal é estabilizar, para isso estabeleceu um prazo de 90 dias.

Quem buscar derrubar este plano fará o possível para impedir qualquer melhora, criarão acontecimentos para gerar um rio turbulento e furioso que permita ensaiar possíveis novas ações de força. Já demonstraram do que são capazes com a recente tentativa de magnicídio.