Lula e seu legado são capital político e é legítimo usar na propaganda

Uma das evidentes demonstrações da força que a imagem de Luiz Inácio Lula da Silva tem e o quanto incomoda a direta conservadora está no fato de que desde que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou o seu direito de ser candidato a presidente da República, três ministros responsáveis por analisar processos relativos à propaganda eleitoral já proferiram cinco decisões em que determinaram a retirada do ar de material da coligação em que o partido usava a imagem de Lula.

Por Dayane Santos

Lula programa de TV - Reprodução

As decisões foram resultado de representações de partidos adversários, como o “Novo”, de João Amoêdo, e o PSL, de Jair Bolsonaro, que tentam a todo custo retirar a imagem do ex-presidente do processo eleitoral. Lula é líder em todas as pesquisas de intenção de voto, mesmo sem ter feito um ato de campanha, pois está preso injustamente desde o dia 7 de abril.

Fernando Neisser
Em entrevista exclusiva ao Portal Vermelho, o advogado Fernando Neisser, que atua na equipe de defesa do ex-presidente junto ao TSE, falou sobre algumas dessas representações contra a propaganda.

Ele citou a decisão do ministro Sergio Banhos, que na segunda (3) determinou a suspensão de inserções na TV em que Lula aparece. Na avaliação do ministro, Lula figurou como candidato na propaganda.

“Com o devido respeito à decisão do ministro Sergio Banhos, quando se diz “nós vamos trazer o Brasil de Lula de volta” se trata do projeto político. O projeto político do PT é trazer aquele Brasil, com aquele conjunto de políticas públicas de volta. Não se trata de dizer que Lula fará isso”, afirmou Neisser.

O advogado, que é coordenador adjunto da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), enfatizou que é preciso compreender que a propaganda trabalha com esse imaginário “porque isso resume o conjunto de propostas”.

“E esse é o capital político do partido, portanto é absolutamente legítimo ser utilizado”, frisou.

Lula foi presidente em dois mandatos e promoveu um amplo processo de inclusão social e melhoria da renda. Deixou o governo com mais de 80% de aprovação, sendo considerado um dos mais populares presidentes da história.

Ainda sobre as primeiras representações apresentadas pelo “Nono” e Bolsonaro, o advogado classificou as ações como “má-fé”.

“A decisão [do TSE] foi proferida pouco depois das 2 horas da madrugada do sábado. A própria ministra Rosa Weber [presidente do TSE] lembrou durante a sessão que não seria possível fazer a troca das mídias com tanta velocidade”, lembrou Neisser.

Neisser lembra que as primeiras representações do Partido “Novo” e Bolsonaro entraram ainda no domingo (2), questionando as propagandas que foram ao ar no sábado e no domingo.

“São reclamações, de certo modo, imbuídas de má-fé, pois são pessoas que sabem como funciona esse procedimento, que estavam na sessão de julgamento e ouviram da presidente do tribunal que se reconhecia a impossibilidade de troca”, criticou.

Neisser explica que a propaganda é feita pelos partidos e entregue em mídia específica com prazo e local determinado. “Esse procedimento no final de semana é muito travado, pois há veículos que fazem a programação e não há funcionários”, conta, informando ainda que a coligação, demonstrando boa-fé, apresentou cópia dos e-mails enviados às 5 horas da manhã do sábado, portanto três horas após a decisão do tribunal, às emissoras com os novos programas.

“O programa, que é arquivo maior que as inserções, deve ser entregue em mídia no próprio TSE. Nosso agente estava no TSE antes das 7 horas da manhã do sábado, sendo a primeira pessoa registrada no sistema. Portanto, o que deveria ser feito pela coligação foi feito”, reforçou.

Não há afronta ao TSE

Sobre a tese lançada pela grande mídia de que a coligação está afrontando o tribunal, Neisser disse que não existe tal conduta.

“Não há um desafio ao conteúdo da decisão do TSE em nenhuma propaganda. Não há pedido de voto ao Lula ou se disse que ele é o candidato a presidente”, destacou.

No entanto, o advogado reforça que o capital político de Lula e a sua imagem não podem ser impedidas de serem usadas na propaganda.

“A figura do Lula, o capital político de Lula, aquilo que ele representou no seu governo não podem ser obstaculizados de ser usado pelo Partido dos Trabalhadores e pela sua coligação”, declarou.

O mesmo critério, diz ele, deve ser estabelecido para a defesa que a coligação faz do direito de o ex-presidente ser candidato.

“Não foi considerada uma afronta pelo tribunal, mas pela imprensa. A imprensa não tem poder de deliberação sobre o que é afronta ou não. Mas tem se tentado criar uma situação, inclusive com artigos de colunistas, de que há uma tentativa da campanha de desafiar o TSE. E não há”, defendeu Neisser.

A mídia tem buscando criar uma narrativa em que atribui à coligação uma ação de afronta ao TSE por criticar a decisão de cassar os direitos políticos de Lula e passar por cima da liminar do Comitê de Direitos Humanos da ONU.

Na propaganda desta terça-feira (4), um narrador diz: "A ONU decidiu: Lula pode ser candidato. Mesmo assim o registro foi negado. A coligação "O Povo Feliz de Novo" vai seguir lutando pelo direito de Lula ser candidato e ser eleito presidente".

De acordo com o advogado, a propaganda traz uma crítica legitima à condenação criminal do ex-presidente e a decisão do indeferimento do registro.

“Recebemos com tristeza a decisão do tribunal na medida em que imaginávamos que seria possível o tribunal acatar a decisão do Comitê da ONU. Não se trata de uma surpresa, mas uma tristeza porque entendemos que o argumento poderia sensibilizar a todos”, contou Fernando Neisser, se referindo ao resultado da decisão do TSE, que por 6 a 1, cassou o registro da candidatura de Lula.

Ao analisar a decisão do tribunal, Neisser avalia que a queda de braço entre direito interno e tratados internacionais e comitês vinculantes faz parte da história.

“O que percebemos, e esse foi um levantamento que constou em nossa defesa, é que países que tem uma democracia mais consolidada cumprem com mais frequência as decisões internacionais. Enquanto que países com democracias mais frágeis ou ditaduras, relutam em cumprir as decisões. O motivo da tristeza é que uma decisão como essa mostra em qual ponto dessa régua nós, como país, estamos”, lamentou o advogado.

Ele reforça que, ao contrário do que se pode institivamente achar, cumprir uma determinação internacional é sinal de maturidade de um país e não de fragilidade ou fraqueza.

“Essa soberania que serve para descumprir tratados, na verdade, é fraqueza”, concluiu.