Mercado já pressiona pelo fim da valorização do salário mínimo

Em abril do próximo ano, o novo presidente terá que definir se mantém ou altera o mecanismo de reajuste do salário mínimo em vigor. O resultado das eleições ainda é uma incógnita, mas os porta-vozes do mercado já iniciaram as pressões contra a política de valorização do mínimo, que não só ajudou a reduzir a desigualdade no Brasil, como também deu impulso à economia no passado.

Por Joana Rozowykwiat

Desde 2007, o mínimo é reajustado pela inflação do ano anterior – medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) – e pelo Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Em 2019, contudo, o mecanismo deixa de valer e o próximo presidente decidirá se muda ou prorroga a regra até 2023.

Reportagens de O Estado de S.Paulo e Valor Econômico, nos últimos dias, tratam o tema da mesma maneira, com foco no impacto dos reajustes acima da inflação sobre as contas públicas.  Ouvido pelo Valor, Fabio Giambiagi, economista do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), defende que não há espaço fiscal para manter a política de ganho real do mínimo.

No Estadão, a economista-chefe da Rosenberg Associados, Thais Zara, prega que o governo anuncie todo ano o reajuste a partir da capacidade financeira daquele momento, sem uma regra fixa. “O governo verifica quanto será possível reajustar, pensando sempre na questão da Previdência, e anuncia”, diz.

A ofensiva contra o ganho real dos trabalhadores não é novidade. O discurso de empresários, analistas financeiros e economistas liberais tem se repetido ao longo dos anos, sugerindo que a valorização do salário mínimo levaria ao caos. As previsões catastrofistas eram de rombo nas contas públicas, bancarrota na Previdência, prefeituras quebradas e aumento do desemprego. A experiência, contudo, mostrou o oposto.

Entre 2003 e 2016, o ganho real dos trabalhadores, ou seja, acima da inflação, foi de 77%. Com exceção de 2015 e 2016, – que foram anos de crise política, institucional e financeira – o país manteve o equilíbrio fiscal, houve crescimento da economia e do emprego.

Quanto ao mantra de que é preciso conter gastos, vale destacar que o apelo tem sido direcionado apenas para as despesas que beneficiam os trabalhadores. Enquanto se questiona a possibilidade de reajustar acima da inflação o salário do trabalhador, que é de R$ 954, não se reclama do salário dos ministros do Supremos Tribunal Federal, que acaba de subir mais de 16%, para R$ 39 mil, por exemplo.

Críticas são políticas, sem fundamento econômico

O economista João Sicsú prevê que a pressão contra a política de reajuste atual vai continuar. Segundo ele, contudo, as críticas ao atual mecanismo são políticas e não se justificam pelo viés fiscal.

“Não existe nenhuma teoria ou regra prática que comprove o que eles dizem. Existe o contrário. Toda a prática de valorização do mínimo sempre dinamizou a economia. No segundo governo Lula, em especial, e no início de Dilma também, fica claro. Isso, associado à ampliação do crédito e do investimento, recupera qualquer orçamento fiscal em qualquer lugar”, apontou.

Na sua avaliação, a imprensa tem assimilado o discurso neoliberal e imposto à sociedade um debate enviesado, no qual todos os problemas e todas as soluções são atribuídos à questão fiscal.

“Esse método de debate que a imprensa impõe é sempre o mesmo. A questão é que eles olham sempre os salários como um custo e, não, como oportunidade de receita. Mas quando o salário mínimo cresce, a arrecadação de todos os níveis de governo sobe, inclusive a arrecadação da Previdência”, defende.

A política de recuperação do valor do salário mínimo é reconhecida como um dos fatores mais importantes no aumento da renda da população mais pobre, o que induz a ampliação do mercado consumidor interno e, em consequência, fortalece a economia. A regra ajudou a retirar milhões de pessoas da linha da pobreza e contribuiu para melhorar a distribuição de renda.

“Quando aumenta o mínimo, não só os que ganham o mínimo vão recolher mais impostos e contribuições, porque isso dinamiza toda a economia. Os que ganham mais que o mínimo, que ganham lucro, vão ter mais recursos para também fazer uma maior contribuição de impostos”, detalha Sicsú.

Para ele, a investida contra a regra está relacionada a uma forma de ver a economia. “A questão é: como saímos da situação em que estamos? Cortando gastos ou fazendo a economia crescer? Cortando o salário mínimo ou fazendo ele crescer? Temos que fazer crescer, para dinamizar a economia, aumentar a arrecadação. A questão é se a gente corta ou se a gente cresce. Atualmente, eles têm cortado e não tem dado certo. Especialmente nos anos de 2006 a 2012, escolhemos crescer. Deu certo e teve equilíbrio fiscal”, lembra.

Neoliberais adaptam discurso para não perder voto

De acordo com nota técnica do Dieese, estima-se que 47,9 milhões de pessoas têm rendimentos referenciados no salário mínimo. Talvez seja por essa razão que praticamente nenhum candidato ao Planalto se coloca abertamente contra a valorização do mínimo.

A única postulação entre as mais competitivas a assumir sem pudores a intenção de modificar a regra é a de Marina Silva (Rede). Em entrevista concedida à GloboNews no final de agosto, o coordenador do programa de governo da ambientalista, Eduardo Gianetti, disse que pretende “dar uma pausa na política de valorização do salário mínimo, mantendo seu poder de compra pela inflação”.

Por outro lado, apenas Fernando Haddad (PT) incluiu no plano de governo registrado no Tribunal Superior Eleitoral o compromisso de dar continuidade à atual política de valorização do piso salarial do trabalhador.

Segundo Sicsú, contudo, candidatos liberais, como Jair Bolsonaro (PSL), Geraldo Alckmin (PSDB) e Henrique Meirelles (MDB) só não confrontam a regra atual abertamente com medo de perder votos. “Eles não falam por uma questão política. Mas são favoráveis a desmontar essa regra, sim. São candidaturas que expressam o projeto neoliberal”, afirma.

Mais salário, menos lucro

O economista destaca que o mecanismo de reajuste que faz subir os salários acima da inflação incomoda os neoliberais porque distribui renda, ao transferir parte do lucro dos patrões para o salário dos trabalhadores.

“Essa não é só uma regra de valorização do salário mínimo. Ela é uma regra de distribuição de renda. Se você olhar para um período em que houve bastante crescimento do mínimo, que foi de 2004 até 2011, a participação das rendas do trabalho no PIB aumentou, e a participação das rendas do capital diminuiu. Nos governos de Fernando Henrique (PSDB), o capital ia crescendo e ia comprimindo o trabalho. Depois, a partir de 2004, isso vai virando”, compara.

Sicsú rechaçou o argumento de alguns economistas, que criticam o fato de o salário mínimo crescer mais rápido que a produtividade e alegam que a economia não suporta tal equação. “Isso é linguagem para economista. Para o público em geral, o que está acontecendo é o seguinte: o salário mínimo tem uma regra para subir, que diminui o lucro. Essa é a história.”

E, de acordo com ele, para melhorar a distribuição no país, não tem outro jeito, o lucro tem que diminuir. “Porque o tamanho do PIB é um só. Não dá para aumentar o trabalho, sem diminuir o capital. O que eles dizem é que o salário mínimo tem que aumentar de acordo com a produtividade, isso significa dizer o seguinte: que a quantidade de rendas do capital no PIB nunca vai diminuir de tamanho”, colocou, sinalizando que, por esse caminho, nunca vai diminuir a desigualdade.

“A regra de valorização do salário mínimo é justamente para fazer o que eles não querem, que é fazer o salário mínimo crescer mais que a produtividade, aumentar a renda dos trabalhadores e reduzir a dos empresários, que já estão muito felizes”, concluiu.