Após se afastar do mundo, Trump volta à ONU

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, discursou nesta terça-feira (25) na Assembléia Geral da ONU, em Nova York, após dois anos em que os EUA percorreram o caminho do distanciamento de outras nações

Por Alessandra Monterastelli

Trump na ONU - RTP

Donald Trump seria o segundo chefe de Estado a discursar (o primeiro foi Michel Temer, já que tradicionalmente é o Brasil quem abre a conferência), mas chegou atrasado; o presidente do equador, Lenín Moreno, falou antes. 

Trump começou o seu discurso vangloriando-se de seus feitos em dois anos de mandato. "Conseguimos a construção de um muro e aumentamos a segurança das fronteiras", listou, apesar da crise que chocou o mundo ocorrida em abril, quando crianças estavam sendo separadas de seus país imigrantes na fronteira com o México. Na semana passada, Trump chegou a criticar o Congresso por não repassar a verba necessária para a construção do muro. Para ele, os EUA são agora mais fortes e um “país melhor” do que há dois anos.

“Os mísseis já não voam em todas as direções". Foi assim que Trump descreveu as atuais relações entre os EUA e a Coreia Popular, depois da reunião entre os dois países em junho. Esse era um assunto especialmente delicado para a Assembléia Geral, já que na edição da conferência do ano passado, o presidente norte-americano fez um discurso extremamente agressivo no qual ameaçou "destruir completamente" a Coreia Popular. Na época, recebeu críticas da maioria dos líderes mundiais.

Apesar de vangloriar-se pelo encontro com Kim Jong-un, sabe-se que este só foi possível graças a reaproximação e a retomada do diálogo entre as duas Coreias, em um esforço conjunto entre Norte e Sul.

Trump encerrou o assunto dizendo que as sanções continuarão até que a desnuclearização aconteça. Na semana passada, após uma visita a Pyongyang, capital norte-coreana, Moon Jae-in assegurou que Kim quer cumprir a desnuclearização da península coreana, desde que os EUA tomem medidas recíprocas, por exemplo garantir a segurança do país e o respeito ao seu governo. 

A segunda parte do discurso de Trump nesta terça-feira (25) teve como foco o Oriente Médio, novo alvo principal de sua prepotência neste ano. Começou falando que considera uma grande vitória a retirada do Estado Islâmico (EI) de territórios da Síria e do Iraque – ainda que se saiba que o EI foi uma consequência da invasão dos EUA no Iraque, e que existam suspeitas do governo norte-americano estar fincanciando militantes terroristas na Síria. 

Nenhuma fala de Trump terminou sem uma ameaça. Como bem analisou o jornalista Llluís Bassets, do El País, sobre a conduta do presidente nas relações internacionais: "Para sua mentalidade de especulador imobiliário e apresentador de concursos televisivos, uma boa ameaça é sempre o prelúdio de um bom acordo". Foi assim que pensou resolver a situação com a Coreia Popular. Basta dizer que, nos últimos dois anos, nomeou para a Secretaria de Estado e para conselheiro nacional de Segurança dois ultraconservadores: John Bolton (ex-representante de Bush na ONU) e Mike Pompeo (ex-diretor da CIA).

Terminou de falar da Síria dizendo que, se Bashar Al-Assad usar armas químicas, "os EUA vão repsonder". O presidente sírio nega ter usado armas químicas. 

Em seguida foi a vez do Irã, que no sábado (22) sofreu um atentado terrorista durante um desfile militar. O governo do país acusa aliados dos EUA pelo ataque. As relações entre os dois países estão tensas desde que Trump decidiu retirar os EUA do acordo nuclear multilateral com o Irã e tomar as sanções contra o país (estas tinham sido anuladas em troca da suspensão do desenvolvimento nuclear do Irã). 

Em seu discurso na Assembléia, Trump descreveu o país como uma "ditadura corrupta", que "não respeita os vizinhos, as fronteiras" ou os "direitos soberanos das Nações". "Querem apenas enriquecer-se e espalhar o terror pela região". Pediu aos outros países que isolassem economicamente o Irã, e que deixassem de comprar o seu petróleo. A tentativa do país, grande aliado de Israel, de isolar o Irã não é novidade. Juntos acusaram o país de estar descumprindo o pacto, apesar do relatório da Agência Internacional de Energia Atômica comprovando que o Irã cumpria com suas obrigações. A explicação é outra: o país persa está se tornando uma potência no Oriente Médio e apoia partidos como o Hezbollah, o que desagrada Israel; por outro lado, seu crescimento ameaça a influência estadunidense na grande região petrolífera. 

Chegou a vez da China, com quem os EUA travam uma guerra comercial considerada perigosa pelos outros países e pela Oranização Mundial do Comércio (OMC). Segundo Trump, os EUA perderam empregos para a China em manufatura, e que não irá mais tolerar os supostos "abusos" chineses na questão de direitos humanos.

O último alvo do presidente foram as instituições internacionais, mais especificamente o Conselho dos Direitos Humanos da ONU, por “proteger os abusadores dos direitos humanos” enquanto critica os EUA, e o Tribunal Penal Internacional (TPI), acusado de não reconhecer a “legitimidade” da soberania norte-americana. No dia 10 de setembro, os EUA ameaçaram prender e processar juízes e outros funcionários do TPI se este processasse americanos que lutaram no Afeganistão por crimes de guerra, o que configura um bloqueio grave à justiça internacional. 

A administração Trump, até agora, foi responsável pela saída dos EUA da Unesco, do acordo multilateral com o Irã, do Acordo de Paris sobre o clima e de outros dois tratados comerciais internacionais com a Europa e com a área do Pacífico; transferiu, em um ato considerado ilegal pelas resoluções da ONU, Jerusalém como a capital de Israel; cortou os recursos destinados aos refugiados palestinos, assim como a contribuição às forças de manutenção da paz. Por fim, iniciou a guerra comercial com a China. 

Bassets argumentou, corretamente, que "os organismos e instituições multilaterais o incomodam [Trump]. Não lhe servem as regras do jogo que protegem os fracos, porque prefere impor as regras que lhe convêm para cada ocasião". Como bem observa o jornalista, o território favorito de Trump é o das relações bilaterais, "nas quais pode utilizar ao seu capricho as virtudes de negociante que considera ter". As próximas reuniões já estão marcadas: uma com a britânica conservadora Theresa May, outra com o neoliberal francês Emmanuel Macron.