As urnas pariram um Pinochet

O país se pergunta o que pode esperar do governo de Jair Bolsonaro (PSL), eleito presidente na noite de domingo (28). Somente uma coisa é certa, sem sombra de dúvidas: nada bom sairá das mãos desta figura grotesca.

Por Eric Nepomuceno*

Bolsonaro - EFE

Entretanto, é necessário reconhecer que ao longo da campanha que o levou à vitória, bem como em toda sua carreira política profissional, Bolsonaro foi de uma coerência louvável, algo raro entre os da laia dele. Em nenhum momento deixou de exibir seu profundo e irremediável desprezo pela democracia, seu racismo, sua misoginia, sua linha de pensamento (que cabe na palavra) absolutamente rasa e atormentada por todo e qualquer tipo de dano.

Um troglodita radical, incapaz de compreender a vida para além de sua defesa inquebrantável da violência. Um ser totalmente desequilibrado, que precisa de suporte psicológico urgente.
Na campanha, defendeu a implantação de um programa econômico fundamentalista, neoliberal e inflexível, contrariando sua defesa anterior – primária, é verdade, como tudo que emana dele – de um estadismo grosseiro e sem lógica alguma. Logo voltou atrás. Da mesma e serena forma com que voltou atrás com anúncios bizarros, como o de unir os ministérios de Agricultura e Meio Ambiente, juntando os devastadores da natureza com os defensores do pouco que ainda existe.

Disse que abandonaria o compromisso ambiental e climático do Acordo de Paris, logo disse que não será exatamente assim. Disse que abandonaria, se fosse o caso, esse “antro de comunistas” mais conhecido como Organização das Nações Unidas, a mesma ONU da qual o Brasil é um dos fundadores. Logo em seguida, não voltou a falar no tema.

Suas primeiras aparições logo que se confirmaram os resultados eleitorais foram de um ridículo atroz, um pitoresco jamais visto antes em ocasiões similares: um presidente eleito participando de uma oração comandada por um destes autonomeados bispos de uma dessas seitas evangélicas eletrônicas que, a propósito, foram essenciais para sua vitória. Não deixou dúvidas ao jurar que vai governar em nome de Deus.

Nada disso, porém, tem importância real. Os que votarem nele sabiam que elegeriam uma aberração, que jamais administrou sequer um carrinho de vendedor de sorvetes de má qualidade. Não, não: o que realmente importa é o que virá, principalmente do círculo que o rodeia, especialmente o quinteto de generais que formam seu verdadeiro núcleo de poder.

A distribuição de cargos e postos tem, frente a este cenário, uma importância relativa. O que realmente importa é o programa de governo elaborado pelo quinteto formado pelos generais Augusto Heleno, responsável pelo setor de Defesa; Oswaldo Ferreira, de Infraestrutura; Alessio Souto, de Educação, Ciência e Tecnologia; e Ricardo Machado, ligado ao que se refere à Aeronáutica.

O quinto general se chama Hamilton Mourão, é agora o vice-presidente eleito, e nas vezes que abriu a boca durante a campanha deu mostras suficientes de dois aspectos, ambos preocupantes. Primeiro: é um troglodita ilustrado. Segundo: é mil vezes mais articulado e preparado que Bolsonaro, que no fundo não é mais que um bobo da corte histérico.

Neste quinteto mora a verdadeira ameaça que será encabeçada por um capitão da reserva que foi um militar medíocre, afastado do Exército logo após planejar uma série de atentados (na ocasião, Bolsonaro declarou que “tudo foi meticulosamente previsto” para não causar vítimas humanas) a fim de exigir aumento de salário.

Parte deste quinteto estava, há menos de um ano, na ativa, o que abre espaço para calcular a influência que seguem tendo sobre ele seus colegas.

O general Souto, por exemplo, já anunciou que pretende implantar no currículo escolar o criacionismo, deixando Darwin em segundo plano. E que os livros que tratem da ditadura no Brasil que durou entre 1964 e 1981 serão “banidos” nas escolas. Disse também, entre outras pérolas da bestialidade, que não vê muita razão para que se tenha tantos recursos na área das ciências humanas.

O que há de mais retrógrado, de mais bizarro, de mais absurdo está ao redor de Bolsonaro. Seu vice já defendeu que, “se for o caso”, um presidente aplicar, com respaldo das forças armadas, um “autogolpe” a fim de devolver “a normalidade”.

No domingo, 39% do total de brasileiros aptos a votar elegeram Jair Bolsonaro. Outros 31% optaram por Fernando Haddad (PT), retrato exatamente inverso do Vencedor. Houve ainda 28,4% do eleitorado – 42 milhões de brasileiros – que optaram por anular seu voto, abster-se ou votar em branco.

Bolsonaro ganhou com 39% do eleitorado. Outros 61% preferiram rechaça-lo. De toda forma, ganhou. Jogando sujo, jogando imundo, mas ganhou.

As urnas de meu país pariram um Augusto Pinochet. A ver o que passará, qual a dimensão do desastre, qual a duração do colapso, e, principalmente, qual será o preço que as futuras gerações vão pagar por esta catástrofe.